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Filha, até quando você ajustará o tecido da sua vida às pessoas?

Toda eufórica, a neta chegou à casa da avó, trazendo um amontoado de revistas de moda. Queria um vestido novo, mais ‘comportado’ e ‘ajustado’ ao jantar no qual seria apresentada para a família de seu pretenso namorado.

– Filha, que animação é essa? Há tempos não te vejo assim!

– Vó do céu, estou tão afoita que nem perguntei como a senhora está. Desculpe! É que neste fim de semana vou conhecer a família do meu namorado. Queria muito que fizesse o meu vestido.

– E o que pensa vestir?

– Então, a senhora sabe que detesto branco. Né? Mas, ele pediu que eu fosse com um vestido desta cor aqui, com menos decote e mais discreta o possível, sem muito alarde. É coisa mais familiar… Eles são religiosos.

– Hum… Entendi.

– Ah, ele também solicitou que evitássemos dizer… Dizer… Que nos conhecemos na balada. Já ensaiamos tudo direitinho. Faço parte de uma ONG, vou à Igreja aos domingos, estou no último período da faculdade e sonho ter filhos. Achei engraçado, mas por amor tudo vale a pena. A senhora não acha?

– Só acho que de todas essas informações aí só uma é verdadeira.

– Sim, vó, apenas o último período da faculdade…

– Pois é. Também acho que já vi esse filme antes. Se não me falha a memória o seu último namorado era chefe de cozinha. Naquela época, para agradá-lo, você até cogitou deixar a faculdade de moda e trocar pelo curso de Gastronomia. Já o penúltimo era tradutor juramentado. Foi quando você decidiu retomar aquele largado curso de inglês. E olha que você detesta a língua inglesa. Sempre preferiu o espanhol. Teve outro namorado que era vegetariano…

– Vegano, vó.

– Isso aí. Nunca entendo essas diferenças. Só sei que parei de fazer carne, quando você vinha almoçar comigo, desde o dia em que ele ficou horrorizado com a minha costelinha de porco.

– Ah, vó, eu só estou tentando fazer o certo. Achar um marido bom é tão difícil hoje em dia. Sabe de uma coisa? Junto com o vestido também gostaria que a senhora fizesse um daqueles quitutes. Vou dizer para a minha sogra que a receita é sua, mas fui eu quem fiz cada docinho. É só para impressionar. Pode ser?

– Não, minha querida, assim não pode ser. Veja bem. Até quando você se ajustará a pessoas, panelas, vestidos e fogões? Para o príncipe, você se torna a coroa; para o pizzaiolo, o recheio; para o balaio, a tampa. Será que não está na hora de trilhar o seu próprio caminho. Uma coisa é abrir mão de certos comportamentos em vista de um sonho comum. Outra coisa é se anular tanto. Não te vejo em nenhum vestido branco, muito menos nos quitutes de uma septuagenária. Sua vida é colorida.

– Eu estou procurando apenas a minha metade da laranja, vó.

– Filha, você é uma laranja completa. Não precisa vagar pelo mundo à procura de cara metade não. Primeiro, aprenda a viver sozinha. Só assim você conseguirá lidar com a companhia dos outros. Pare de emendar um relacionamento atrás do outro, confiando a estranhos um vazio que é só seu. Na sua idade eu sonhava com o príncipe encantado, que chegaria à Igreja com um cavalo branco e me salvaria de todos os sofrimentos. ‘O viveram felizes para sempre’ era o lema da minha vida. Hoje pergunto: para quê tanta idealização? Até que chegou um dia em que eu fui conhecer o sapo que se escondia na beleza do príncipe. Pulei o lago de crocodilos que habitavam em mim. Mas, não fiz esta travessia sem antes aprender a falar e a conviver com eles. Depois, despontei para fora do castelo, subi no primeiro cavalo disponível e fui galopar pelo mundo. Minha querida, foi a experiência mais libertadora da minha vida.

– Meu avô era o seu sapo, vó?

– Sim! Um sapo asqueroso, cheio de defeitos, mas foi o homem que eu mais amei. Dou um desconto, porque ele beijava mal. Hoje, entre tantas costuras, sonho com o dia em que me remendarei a ele de novo na eternidade. Se isso existe ou não eu não sei. Porém, é o que me alimenta a continuar vivendo. Posso te dar um conselho, filha?

– Sim, vó. Pode falar. Sou toda ouvidos.

– Se um dia, diante de um padeiro, você tiver que optar entre o rolo de massa e o seu coração, escolha por esse último que pulsa por vida e coleciona cicatrizes, mas, ainda assim, bombeia cada um de seus sonhos. A existência é construída com a sabedoria das nossas decisões. Ela não se faz com varinha de condão. Aprenda a se relacionar com pessoas reais. Jamais submeta os outros às suas idealizações e pare de interpretar personagens. Chegará um tempo em que a fantasia será insustentável e você terá que engolir a maçã envenenada pelos seus devaneios infantis. Agora, vem cá, você quer mesmo que eu faça o seu vestido?

– Oh, vó, a senhora já o fez. Está prontinho. Acabou de dar o último arremate na vestimenta da minha vida. Não tenho palavras para lhe agradecer. Obrigada!

Paulo Crespolini

Psicólogo - CRP 06/132391 Possui graduação, com licenciatura plena, em Filosofia, pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2004), atuando nos seguintes temas: história da filosofia moderna, movimento iluminista, crise eclesiológica e razão científica. Com formação em Teologia (2009), pelo Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás, tem se dedicado às pesquisas sobre a concepção materialista-dialética da história e, ao mesmo tempo, sobre Ética e Filosofia Política. Ainda na Teologia obteve resultados significativos no estudo da Filosofia da Religião em Andrés Torres Queiruga e na instituição metafísica da atividade religiosa. Na Psicologia (2015) a pesquisa esteve centrada em duas áreas concomitantes, ambas fundamentadas na analítica de Carl Gustav Jung, a saber: a psicopatologia do religioso constelada em uma polaridade devoradora do divino: fenômeno associado e possível suscitador de transtornos mentais.

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