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A força de uma ideia

Os grandes feitos – para o bem e para o mal – são gestados nas ideias. Desde as estratégias dos ataques terroristas e das guerras até os projetos sociais bem-sucedidos que beneficiam milhares de pessoas.

É triste pensar nos bilhões de dólares gastos em guerras evitáveis que poderiam estar sendo muito bem empregados para construir justiça social nesse mundo com tanta desigualdade. Mas é bom pensar que já existe uma rede significativa de pessoas que, a partir de uma ideia ou de um sonho, não hesitaram em dar o primeiro passo, beneficiando um pequeno número de pessoas até atingir milhares, milhões.

Li, há tempos, “O Banqueiro dos Pobres” de Muhammad Yunus, professor de economia em Bangladesh que se indignou e se compadeceu da situação de miséria sem saída de uma comunidade próxima à universidade. Emprestou, de seu próprio bolso, uma quantia irrisória para algumas mulheres comprarem material para seu artesanato e isso foi o ponto de partida para que elas conseguissem gerar renda e reconstruir a vida.

Alguns anos de batalha, ampliando a rede sem desistir diante dos obstáculos, resultaram no Banco Grameen, criado para emprestar dinheiro aos pobres. Uma revolução do microcrédito, poderoso instrumento de combate à pobreza, que inspirou muitos projetos semelhantes, abrindo caminhos para milhões de pessoas em dúzias de países.

Na mídia, vemos modelos de condutas violentas sendo copiados por jovens e adultos em vários países. Felizmente, vemos também belos projetos que geram filhotes e até ultrapassam as fronteiras do país de origem, como modelos que podem ser recriados em diferentes culturas. Para citar apenas dois, aqui no Brasil: a Associação Saúde Criança Renascer e o Comitê de Democratização da Informática.

Indignação, compaixão e persistência se combinam para gestar ideias, transformá-las em projetos e impulsioná-las em ação. Foi esse o ponto de partida de Vera Cordeiro, a pediatra do Hospital da Lagoa, no Rio de Janeiro, que não se conformou em presenciar o sofrimento e a miséria de tantas crianças que, após a alta hospitalar, logo se reinternavam e morriam por falta de condições de se recuperarem em casa.

Ao idealizar o Renascer, inicialmente como um plano emergencial de assistência, Vera começou a destinar as doações às famílias de crianças que tinham estado internadas, cuja situação social fosse grave e de alto risco. Em um segundo momento, cursos profissionalizantes começaram a ser oferecidos às mães dessas crianças, no projeto Anzol, para que as famílias pudessem tornar-se autossustentáveis. Vários outros hospitais reproduziram o modelo: o Renascer gerou muitos filhotes, estabelecendo uma poderosa rede de parcerias e ganhando inúmeros prêmios pelo mundo afora.

Uma ideia e um sonho também inspiraram Rodrigo Baggio a criar o Comitê para a Democratização da Informática (CDI), também no Rio de Janeiro. Como tenho escrito livros de ficção para adolescentes baseados em projetos reais, fui conversar com Rodrigo quando estava fazendo a pesquisa de “Redes Solidárias”. Ouvi, com muito interesse, seu relato sobre o dia em que acordou após sonhar com uma escola de informática em uma favela. Ao decidir concretizar o sonho, foi criticado por muitas pessoas, que acharam a ideia estranha.

É fascinante esse processo de acreditar na força de uma ideia e não desistir de trilhar seu caminho, apesar de críticas, resistências e obstáculos. Conseguiu os primeiros computadores e abriu uma turma: para surpresa geral, mais de quatrocentas pessoas se inscreveram no primeiro dia! Atualmente, o CDI conta com centenas de escolas de informática e cidadania em praticamente todos os Estados brasileiros e o projeto, premiadíssimo, já se estendeu para outros países, como Japão, África do Sul, México e Chile, capacitando milhares de crianças, jovens e adultos. Com isso, constrói-se a inclusão social pela tecnologia da informação como exercício da cidadania.

Há milhares de outros projetos que nasceram da força de ideias, sentimentos e desejos de contribuir positivamente para construir algo melhor. Em maior ou menor escala, todos nós podemos fazer essas revoluções do Bem, em qualquer momento das nossas vidas. E, se não for possível contribuir com ideias e trabalho voluntário, todos podemos oferecer uma parcela de nossos rendimentos para apoiar projetos que estão dando certo e beneficiando muita gente.

Nunca é tarde para tomar a decisão de entrar na “corrente do Bem”, que está precisando de bilhões de adeptos. Li, há poucos dias, pela Internet (que pode também ser uma rede para o mal ou para o bem) uma frase atribuída a Chico Xavier: “Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim”.

*Os sites dos dois projetos mencionados neste artigo são: Associação Saúde Criança Renascer: www.saudecrianca.org.br Comitê para a Democratização da Informática: www.cdi.org.br

Os dois livros mencionados são: O Banqueiro dos Pobres, de Muhammad Yunus, editora Ática e Redes Solidárias, de Maria Tereza Maldonado, editora Saraiva.

Imagem de capa: Shutterstock/bernatets photo

Maria Tereza Maldonado

É Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-RIO, onde lecionou no Departamento de Psicologia. É membro da ABRATEF (Associação Brasileira de Terapia Familiar). Tem mais de 40 livros publicados sobre relações familiares, desenvolvimento pessoal e construção da paz, com mais de um milhão de exemplares vendidos.

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