Infelizmente, ninguém consegue mandar no coração, pois ele é rebelde e, muitas vezes, teima em desobedecer aos comandos de nossa razão. Difícil conseguirmos fazer com que nossos sentimentos andem o tempo todo de mãos dadas com nossos pensamentos, uma vez que parecem ser o coração e o cérebro órgãos incomunicáveis entre si. E é assim que a gente sofre e não consegue sair daquilo que faz mal.
Talvez tomar a decisão de tirar alguém de nossas vidas seja uma das atitudes mais difíceis de serem tomadas, seja um amigo, um colega, um familiar, seja um amor. A gente se acostuma com o que já está junto de nós e, pior, a gente se acostuma também com o que faz mal, com o que nem falta faria. Eis uma das situações em que parecemos não raciocinar direito, em que a carga afetiva embaralha nossa capacidade de discernimento.
A vida está tão corrida, que mal temos tempo de olhar a nós mesmos, de escutarmos aquilo que nossa essência tem a nos dizer, ou seja, prestamos atenção em tudo o que está fora de nós, relegando-nos ao papel de meros coadjuvantes da vida que é nossa. E, então, vamos arrastando o que já está conosco, mesmo que isso tudo pese demais, deixando para depois o que pede o agora, o que é essencial e urgente, preocupados que estamos com as satisfações a serem dadas aos outros e com as contas acumuladas.
Por isso é que a gente se preocupa tanto com o que não temos e com quem não chega junto, enquanto mantemos em nossas vidas coisas inúteis, momentos esquecíveis e pessoas que nem caminham mais ao lado. Por isso é que sofremos tanto por quem não merece, choramos tanto pelo que não tem mais volta, lamentamos tanto o que não faz falta alguma, simplesmente porque ficamos olhando o que está longe, sem prestar atenção no que mais importa, que é o que já faz parte de nós.
Nossa sobrevivência independe, na verdade, daquilo que não possuímos, mas sim da qualidade de tudo o que mantemos junto, dia após dia. Manter o que machuca, o que emperra, o que nada faz, nada volta, nada soma, faz muito mal. É preciso mandar para longe os lixos emocionais, para além da dor e do sofrimento que isso possa causar. Não conseguiremos obrigar ninguém a nos amar, mas poderemos nos obrigar a deixar de amar alguém, para que não tenhamos que deixar de amar a nós mesmos. É assim que se respira.
Imagem de capa: Antonio Guillem/shutterstock