Por Luis Pellegrini
Você sabe o que é um “celibertário”? Trata-se de alguém que, “embora cheio de interesse pela vida e desejoso de amor, reivindica e defende a opção de viver sozinho enquanto não encontrar alguém com quem estará melhor do que consigo mesmo”. O termo foi cunhado na França, mas a definição é de autoria de Natalia Aspesi, jornalista italiana que assina no jornal Repubblica a única coluna realmente séria do país dedicada aos “corações solitários” – leitores que escrevem pedindo conselhos.
Os “celibertários”, hoje, constituem legiões na maior parte dos países desenvolvidos e até mesmo naqueles em via de desenvolvimento, como o Brasil. As estatísticas mostram que o número de pessoas que optaram positivamente pela vida solitária é tão grande a ponto de significar um verdadeiro fenômeno de marketing. Na França, onde celibatários e celibertários de todos os sexos somam dez milhões, são regularmente organizadas feiras sobre “a arte da vida solitária”. Nessas feiras, realizadas sobretudo em Paris, estandes oferecem pacotes turísticos para uma só pessoa, serviços financeiros individualizados, endereços de restaurantes que entregam em domicílio uma única porção de pizza ou de sushi, agências imobiliárias especializadas em casas e apartamentos para pessoas sós, e uma grande variedade de outros serviços e produtos destinados aos que, por enquanto, não querem compartilhar seu espaço com mais ninguém. Festas são organizadas em Paris para esse público específico.
Greta Garbo, atriz sueca. Sua frase ‘I want to be alone’ (Quero estar sozinha) ficou famosa e correu o mundo.
A vantagens da “vida não confusa”
Na Itália, o nicho de mercado constituído por aqueles que moram sozinhos não fica atrás dos franceses. Os publicitários italianos calculam que ele seja composto por cerca de cinco milhões de homens e mulheres que, nas horas vagas, se dedicam ao fitness, ao happy hour nos bares, às viagens, aos espetáculos, à boa comida nos restaurantes. Basta examinar com atenção os anúncios publicitários italianos para se constatar o quanto se investe nas aparentes propensões hedonistas dos celibertários.
Desde o ano 2000, na Itália, são celebrados em média vinte mil casamentos a menos, todos os anos. E, numa atitude que seria impensável até a pouco, a Universidade Católica de Milão publicou um estudo sobre os aspectos positivos e criativos da “vida não confusa”, a vida daqueles que não têm necessidade de se integrar nos rebanhos de adolescentes e nem na presumida segurança da célula familiar. Ao analisar os resultados desse estudo, Laura Tappata, docente de psicologia geral, comenta que “a solidão resultou positiva, ou seja, rica em termos de abertura mental e curiosidade intelectual, sobretudo para os homens entre 35 e 50 anos, enquanto as mulheres ainda permanecem ligadas à idéia de que uma realização mais plena coincida com a presença dos outros”.
Um outro estudo, feito pela Universidade de Essex, na Inglaterra, prevê cidades com bairros para mulheres que vivem sós, cheios de clubes e círculos culturais e pontos de encontro, e bairros para homens celibatários repletos de restaurantes fast-food e de locais para a prática de videogames. Na cidade de Bremen, Alemanha, foram construídos edifícios com mini-apartamentos destinados a mulheres sem família. No Québec, Canadá, fazem furor os encontros de dança e gastronomia organizados em Montreal e arredores pela associação “Célibataires en Fête”.
Segundo os especialistas, o significado desse novíssimo fenômeno social de massa não pode ser interpretado apenas como uma escolha “covarde”, ditada pela dificuldade crescente de se relacionar amorosamente, de se viver com alguém, de constituir uma família nos moldes tradicionais. Trata-se, muito mais, de encontrar um caminho que leve a um estado de higiene psicológica, num momento histórico em que estão poluídos não apenas a ecologia da natureza, mas também as cabeças e os corações da maioria das pessoas. Exemplo dessa poluição? Basta ligar a televisão, sobretudo aqui no Brasil. A televisão, e a maior parte da mídia, trabalha “por Ibope”, ou seja, oferece ao público aquilo que o público deseja ver. E haja, em conseqüência, circos de horrores televisivos do gênero Big Brother, para citar apenas um exemplo gritante, onde pontificam a feiúra, o mau gosto, a mediocridade, a falta de educação, a promiscuidade.
Evitar a rotina da coabitação
Do ponto de vista da psicologia social, a conclusão mais importante a respeito desses estudos talvez seja a de que a opção de viver sozinho não significa sempre, e necessariamente, renúncia a uma vida sentimental e afetiva. O que essa opção rejeita, na verdade, é a rotina da coabitação. Diminui o número de casais “fusionais” (de fusão, que em física significa a união de vários átomos leves para formar um átomo mais pesado), e aumenta o número de casais “fissionais” (de fissão, que em física significa a divisão de um átomo pesado em dois ou mais fragmentos, fenômeno que via de regra acarreta uma grande liberação de energia). Casais fusionais são aqueles que constituem núcleos familiares tradicionais, vivem sob o mesmo teto, dormem na mesma cama, etc. Casais fissionais são aqueles que vivem juntos alguns dias da semana, mantendo cada um dos membros o seu próprio espaço habitacional.
Como em todas as grandes revoluções históricas, ambos os lados têm seus defensores e seus detratores. Os tradicionalistas defendem o casal fusional com unhas e dentes, lançando mão de uma grande variedade de argumentos, os religiosos (o juramento diante do altar, aquele terrível “até que a morte – ou o divórcio – nos separe”), os das conveniências sociais (a comunhão dos bens, como ficam as escrituras dos imóveis?), o da fidelidade conjugal (o cinturão de castidade, esqueceram?), o dos filhos. Por sinal, esse é talvez o único argumento realmente sério em toda essa questão, e merece sem dúvida um exame mais aprofundado. Mas, para ser breve, e tentando deixar de lado tanta hipocrisia, não será melhor, muito melhor, também para os filhos, viver apenas uma parte do tempo com pais felizes, do que viver todo o tempo com pais infelizes?
No campo dos fissionais, o escritor italiano Franco Cordelli, que anda hoje pelos sessenta anos e vive sozinho no mesmo quarto desde os dezoito, lança mão de argumentos baseados em evidente conhecimento de causa: “Não viver numa família criada é uma necessidade. Primeiro, para preservar o amor. Segundo, para se dispor egoisticamente e sem interferências do próprio tempo. Terceiro, para se preparar para a única mudança realmente importante da vida, a morte”.
Não derrotada, mas sim libertada
Lembro de uma querida amiga que há poucos anos pôs fim a uma convivência em cinco: “Eu, ele, os dois filhos dele, o cachorro. Agora que reencontrei minha solidão, não tenho de prestar contas a ninguém. Que delícia ir ao supermercado e poder comprar tudo aquilo de que gosto, e só aquilo de que gosto. É uma reconquista poder viver segundo os meus ritmos naturais. Não derrotada, mas sim libertada”.
E então, o celibertário será um pobre fracassado ou um herói vitorioso? Cada um escolha a própria metáfora, bem como a própria forma de vida. Para quem criou família e se enraizou nela, o celibertário é um imaturo sentimental que procurou – mas não encontrou – algum tipo de casamento. Mas quem aprendeu a gozar da própria solidão tem ponto de vista bem diferente. Ele sorri dos cativos da convivência que só conseguem arrancar algum farrapo de silêncio quando estão trancados no banheiro.
O advento da era dos celibertários significa talvez subir um degrau na escala da maturação psicológica individual e coletiva? Em termos de diminuição do medo da solidão, ele o é, sem dúvida. A solidão é um sentimento que aumenta e diminui em ciclos. Os jovens são muito impregnados dela e a detestam. Os jovens não suportam o vazio social, e por isso desenvolvem grande sociabilidade, procuram a si mesmos nos outros, precisam da aprovação e da aceitação do grupo. Depois vem (ou vinha) a fase do namoro, do noivado, a constituição de uma nova família, a chegada dos filhos com todo o seu séqüito de fraldas e mamadeiras, a escola, o purgatório da adolescência, o diploma obtido a qualquer preço, os netos, o cansaço.
E aí, surge o estalo. Em pleno burburinho da festa de reveillon, você olha o relógio e percebe que não vê a hora de voltar para casa. É preciso se prestar muita atenção a esse estalo. Ele representa um ponto de mutação na nossa vida. Daqui para frente, tanto o contato social quanto o isolamento se tornam uma escolha à qual temos não apenas o direito, mas também o dever. A solidão deixa de ser uma ameaça de sofrimento para se transformar na possibilidade de um prazer. Ela traz consigo um pouco mais de sentido à vida, e esse tesouro pode até ser compartilhado com aqueles poucos outros que passaram pela mesma descoberta.
Claro, nada contra os fusionais. Há casais fusionais muito felizes e que continuam assim até o fim. Mas, se você pertencer por destino ou por opção ao clube dos solitários, não lamente. Seja inteligente: faça da solidão uma boa amiga. Muitas vezes, só a solidão é capaz de criar contatos humanos realmente fortes e duradouros.
Imagem de capa: Shutterstock/Denis Makarenko
TEXTO ORIGINAL DE GELEDES
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