Por Mia Couto
O medo foi um dos meus primeiros mestres. Antes de ganhar confiança em celestiais criaturas aprendi a temer monstros, fantasmas e demónios. Os anjos, quando chegaram, já era para me guardarem. Os anjos atuavam como uma espécie de agentes de segurança privada das almas. Nem sempre os que me protegiam sabiam da diferença entre sentimento e realidade. Isso acontecia, por exemplo, quando me ensinaram a recear os desconhecidos.
Na realidade a maior parte da violência contra as crianças sempre foi praticada, não por estranhos, mas por parentes e conhecidos. Os fantasmas que serviam na minha infância reproduziam esse velho engano de que estamos mais seguros em ambiente que reconhecemos. Os meus anjos da guarda tinham a ingenuidade de acreditar que eu estaria mais protegido apenas por não me aventurar para além da fronteira da minha língua, da minha cultura, do meu território. O medo foi afinal o mestre que mais me fez desaprender…
…Citarei Eduardo Galeano acerca disso que é o medo global: “Os que trabalham têm medo de perder o trabalho. Os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho. Quem não têm medo da fome, têm medo da comida. Os civis têm medo dos militares, os militares têm medo da falta de armas, as armas têm medo da falta de guerras.” E, se calhar, acrescento agora eu, há quem tenha medo que o medo acabe.
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