SAÚDE MENTAL

Hábitos típicos da depressão podem piorar o quadro da doença

 

Por Ana Paula de Araújo

O Padre Marcelo Rossi recentemente superou um quadro de depressão, o que não é uma tarefa fácil. A depressão está longe de ser um mal menor – pelo contrário, é uma doença séria que exige acompanhamento médico. A importância do tratamento foi reforçada com a divulgação do estudo Health in Brazil (Saúde no Brasil), publicado no periódico científico Lancet, no último dia 9 de maio.

Um dos dados mais alarmantes dessa extensa pesquisa é o de que as doenças psiquiátricas, incluindo a depressão, têm diminuído a expectativa de vida do brasileiro mais do que doenças cardiovasculares, que ocupam o segundo lugar no ranking. Aparentemente silenciosa, a depressão é responsável por 19% dos anos a menos – junto a outros distúrbios psíquicos, como psicose e abuso do álcool -, enquanto problemas cardiovasculares foram responsabilizados por 13% desse retrocesso.

De acordo como a pesquisa, 18 a 30% dos brasileiros já apresentaram sintomas de depressão. Além disso, 10,4% dos moradores adultos da região metropolitana de São Paulo sofrem com a doença. Não é fácil lidar com a depressão, ainda mais quando sabemos que, em geral, o comportamento do paciente costuma enterrá-lo ainda mais no quadro. “O ‘slogan’ dele é ‘não vejo saída, não tem solução'”, explica a psicóloga e escritora Olga Tessari, de São Paulo. Confira a seguir quais são os hábitos mais nocivos ao tratamento da doença.


Isolamento social

É um dos principais comportamentos nocivos e pode variar de acordo com o nível da depressão. A psicóloga Aridinéa Vacchiano, do Rio de Janeiro, diz que, em casos de depressão leve, ainda há algum envolvimento e até mesmo vontade de superação. Em nível moderado, existe mais dificuldade em suportar a pressão, o que compromete o rendimento de sua produção e a clareza da percepção. Isso facilita o isolamento. Já na depressão severa, o depressivo pode sofrer até mesmo de amnésia e ilusões, chegando ao isolamento total.

Nesse último estado, o ciclo de pensamentos negativos se torna constante, podendo levar a pessoa até mesmo ao suicídio. Aqui, familiares e amigos são fundamentais para resolverem algo que está fora do alcance das mãos do depressivo: sua recuperação. O convívio social tem papel importantíssimo, já que tornará menos frequente essas ideias ruins.

A dica da psicóloga Olga Tessari é chamar a pessoa para fazer coisas que a agradem. Brigas frequentes em casa ou a obrigação de ter que fazer algo que não gosta diminui ainda mais a autoestima do portador da depressão, piorando o quadro da doença.

Ao mesmo tempo, a ajuda médica jamais deve ser esquecida. “A depressão provoca desequilíbrio na produção de algumas substâncias e precisa de medicação para restabelecer essa produção, alem de terapia, que tratará das causas da doença”, esclarece Olga.

Compulsão por álcool e comidas gordurosas

Quando o depressivo não encontra solução de seus problemas em lugar algum, ele pode recorrer à garrafa de álcool mais próxima, com a promessa de fugir da realidade por alguns instantes. Segundo a neuropsicóloga Evelyn Vinocur, do Rio de Janeiro, o álcool é um grande depressor do sistema nervoso central (SNC), que leva o consumidor ao estado de euforia inicial com relaxamento. No entanto, depois que o efeito passa, a sensação de que nada tem solução retorna.

Outro comportamento perigoso é a compulsão alimentar, que também aparece como tentativa de escapar do sofrimento e suprir necessidades afetivas, seja com doces, refrigerantes, frituras ou outros alimentos gordurosos. “É uma carência, mas, como essa forma de substituir o afeto não é preenchida emocionalmente, a pessoa repete a compulsão, que passa a ser um círculo vicioso”, conta a psicóloga Aridinéa Vacchiano.

 

Automedicação com antidepressivos e ansiolíticos

Embora a medicação seja tarja preta, ou seja, altamente restrita, são comuns os casos de auto-medicação entre depressivos. Os comprimidos – antidepressivos, fórmulas para emagrecer e calmantes -, podem vir de familiares, vizinhos, ou até mesmo de uma compra ilegal. “Alguns ingerem em torno de 20 a 40 comprimidos de uma só vez, em uma tentativa impensada de parar de sofrer”, exemplifica a neuropiscóloga Evelyn Vinocur. Atitudes como essa, segundo a psicóloga Olga Tessari, podem piorar o quadro de prostração do depressivo.

Antidepressivos também podem ter efeitos devastadores em pessoas que apresentam quadro de depressão bipolar. Essa depressão representa uma fase característica do portador do transtorno bipolar, que varia entre a fase de euforia e a de depressão, conta o psiquiatra Max Fabiani, da Clínica Conviver, de São Paulo.

Evelyn completa, dizendo que a medicação pode causar a chamada “virada maníaca”, onde, segundo Fabiani, o paciente tem uma drástica mudança de estado. “Nestes casos, o uso do antidepressivo só pode ser feito junto com um estabilizador de humor ou antipsicóticos de última geração”, adiciona a neuropsicóloga.

Abandono do tratamento

Mesmo depois de procurar o tratamento médico, a batalha não está vencida. Isso porque, explica o psiquiatra Max Fabiani, a perda de ânimo é tamanha que até a medicação pode ser abandonada. Outro desestímulo é a mudança frequente de medicações que acontece no começo do tratamento. Quando isso acontece, os sintomas voltam ainda mais fortes. Em casos de depressão leve a moderada, o quadro de isolamento social piora e a pessoa tende a se tornar mais irritadiça.

“O abandono é muito complicado, pode agravar ainda mais o quadro e, nisso, angústia se torna tão forte que a pessoa realmente quer se matar”, alerta Fabiani. Ele conta que, em sua experiência em clínicas psiquiátricas, pôde observar que o suicídio é, de fato, recorrente em pacientes que abandonam o tratamento.

A ajuda que pode ser dada por quem está próximo ao depressivo nada tem a ver com estímulos como “Força, não se deixe dominar!” ou “Saia dessa cama!”. “É um distúrbio grave e sério, e o tratamento deve ser incentivado”, justifica o psiquiatra. Segundo ele, o que pode ser feito é o acompanhamento nas consultas, de forma que a pessoa se sinta estimulada a continuar o tratamento.

Sedentarismo

A atividade física é uma importante arma contra qualquer tipo de desânimo, já que estimula a produção de substâncias ligadas à felicidade, a serotonina e dopamina. O grande problema, em casos de depressão, é tirar o doente de seu estado letárgico.

O depressivo, como explica a psicóloga Olga Tessari, está prostrado, sem vontade de fazer nada. “O corpo fica cansado, as ‘pernas parecem chumbo’, e a vontade de deitar e ficar em casa aumenta”, adiciona a neuropsicóloga Evelyn Vinocur. Portanto, para que o depressivo pratique alguma atividade física, ele precisará de ajuda médica ou um incentivo emocional.

Você mesmo

O pior inimigo do depressivo pode ser ele mesmo. Pensamentos como “não adianta” ou “não tem solução” não irão parar sozinhos. Pelo contrário, aumentarão, conforme a pessoa se afunda na depressão. Por isso, mesmo que o doente não assuma essa maneira que se sente, é importante que familiares e amigos estejam atentos aos seus sintomas.

“Uma série de sinais fazem você perceber se a pessoa não está bem, antes da depressão propriamente dita. Se ela anda irritada, foge de muita alegria, evita o contato social, reclama muito e tem dificuldade pra acordar de manhã, são sinais de que tem algo errado”, enumera a psicóloga Olga Tessari. Insatisfação, insônia, alteração do apetite, falta de energia, fadiga, diminuição do desejo sexual, lentidão ou agitação excessiva, perda ou ganho de peso são outros indicativos que apontam para a depressão, segundo a psicóloga Aridinéa Vacchiano.

Você desconfia que algum querido seu esteja com depressão? Ajude-o! Faça-o rir, leve-o pra passear, incentive o tratamento. E o mais importante: não o julgue. “Tão logo ele melhore, ele vai ser o primeiro a querer sair e curtir a vida”, conclui a psicóloga Evelyn Vinocur.

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