Cada cultura possui suas regras específicas e padrões de conduta, que são naturalmente seguidos por quem está adaptado e inserido nela. Isso vai desde a família, nosso primeiro meio social quando somos crianças, até crescermos e vermos que existem outros ambientes com diferentes pessoas, normas e padrões. Seguimos preceitos morais, costumes, hábitos e com isso acabamos tendo muitas semelhanças uns com os outros e isso é importante tanto para o grupo, dando bases para a sua identidade cultural, quanto para cada indivíduo que está inserido nele, pois traz sentimentos de acolhimento e de pertencimento.
As semelhanças entre os indivíduos existem, mas as diferenças também são evidentes. Torna-se importante para cada um que está dentro de um grupo o processo de diferenciação. Ter consciência de que as relações interpessoais são importantes, mas que também são as nossas particularidades que nos tornam únicos no mundo.
Além de ser importante para si mesmo, ser autêntico e assumir suas características pode trazer bem estar e sentimentos de integridade, fundamentais para a saúde mental. Segundo Jung, essa é a tarefa do ser humano, ele a chama de individuação, seria diferenciar-se do outro buscando quem se é de verdade. Esse é um processo de busca por quem se é, que começa com a reflexão.
“Poder-se-ia perguntar aqui por que é tão desejável que um homem se individue. Eu acrescentaria que não só é desejável como também é absolutamente necessário que o seja. Caso contrário, sua fusão com os outros o levaria a situações e ações que o poriam em desarmonia consigo mesmo.
Dos estados de mistura inconsciente e de indiferenciação brotam compulsões e ações que se opõem àquilo que se é realmente. Dessa forma, o homem não pode sentir-se unido consigo mesmo, nem poderá aceitar uma responsabilidade. Sentir-se-á numa condição degradada, carente de liberdade e de ética. (JUNG, 1984).
Buscar quem se é não nos exime de sofrimento. O que acontece quando buscamos o autoconhecimento é o amadurecimento, adquirirmos flexibilidade diante das situações que podem causar frustrações, e uma nova atitude perante a vida.
Esse diferenciar-se do outro é diferente de ser egoísta e fazer o que se quer sem considerar o outro, inclusive, o buscar quem se é também se faz importante para nos relacionarmos uns com os outros de maneira empática. Ou seja, nas relações interpessoais você verá alguém diferente de você que busca diferentes objetivos de vida. Se você não reconhece o outro como pessoa que tem sentimentos, valores, vontades, sonhos e etc. diferentes dos seus pode haver certa dificuldade de relacionar-se com essa figura, pois ela será uma projeção pessoal, boa ou ruim.
Nas relações interpessoais, projetamos no outro certas características que são nossas e que não as enxergamos em nós. Jung denomina esse fenômeno de Sombra. São características nossas que não reconhecemos, ou ignoramos porque acreditamos que não sejam corretas para o meio em que vivemos. Então, quando encontramos esse atributo em outra pessoa, ficamos com repulsa ou irritação atribuindo aquela característica que não gostamos àquela pessoa. Causando as dificuldades nas inter-relações que conhecemos e aquele famoso “não vou com a cara dele”, por exemplo.
“A sombra se constrói a partir dessas qualidades reprimidas, não aceitas ou não admitidas porque incompatíveis com as que foram escolhidas.” (VON FRANZ, 2002)
Além desse aspecto também pode ocorrer uma identificação com a vida do outro quando este tem algo que desejamos, ou admiramos. A consequência disso é um distanciamento do ser quem se é. A projeção se constela e faz com que pensemos que não seremos capazes de conseguir tal coisa. Esse fenômeno pode causar o sentimento de inveja que também advém de um não olhar para si, para as próprias potencialidades.
Temos sempre limitações e aspectos que consideramos ruins para o cumprimento de realizações pessoais, mas temos também potencialidades que podem estar abafadas por não conseguirmos olhar para elas. Reconhecer as potencialidades é tão importante quanto reconhecer limitações.
Ao invés de procurar no outro, o famoso: “ o que ele tem que eu não tenho”; ou “como posso fazer igual a ele para chegar onde ele chegou”, procure em si mesmo o norte para guiar e chegar onde você quer chegar. Esse caminho é particular porque as vivências pessoais são sempre diferentes. E a chave para entrar nesse caminho é a reflexão.
Para descobrirmos o que é autenticamente individual em nós mesmos, torna-se necessária uma profunda reflexão; a primeira coisa a ser constatada é quão difícil se mostra a descoberta da própria individualidade. (JUNG, 1984)
Jung propõe que a individuação seja um processo, enquanto vivermos haverá esse processo porque a cada experiência externa nova de vida temos novas experiências internas.
Como a vida não é uma linha reta e livre de sofrimentos e momentos de crises e angústias, pelo contrário! E são esses momentos crise podem nos ensinar a como nos adaptar melhor ao novo. São momentos de ruptura de rotina, luto, sofrimento que podem nos fazer recuar para um autoconhecimento em busca de respostas para se adaptar ao acontecimento e nessa reflexão podemos encontrar o conhecimento a respeito de nós mesmos e amadurecer cada vez mais. Nos momentos de alegria e de satisfação conseguiremos também entrar em contato com o que realmente nos preenche e a sabedoria para buscar o bem estar pessoal.
Referências
JUNG, C.G. O eu e o inconsciente. Obras completas de C. G. Jung Volume VII/2. Petrópolis: Vozes, 1984.
VON FRANZ, Marie-Louise. A Sombra E O Mal Nos Contos de Fada. São Paulo: Paulus, 2002.
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