Temos vivido épocas de incertezas, caoticidade. O egoísmo mãe de todos os males, é a tônica da vez. Não se aconselha mais cumprimentar com o uso das mãos, afinal é por proteção pessoal. O que nos vem à mente é a palavra “vulnerabilidade”. Somos vulneráveis, passíveis de perecimento rápido e sem aviso prévio. Percebemos então o quão exposto estamos a que situações associadas à fragilidade, nos fragilize ainda mais. Ainda que tenhamos sido ensinados socialmente que a fraqueza seja algo que deva ser fortemente evitado, não é mesmo? Tentamos fugir das situações vulneráveis, contudo, associamos tal estado com emoções como o medo e a incerteza. Nos damos conta de que existe características pessoais que podem aumentar exponencialmente o poder e impacto que criamos em nossas vidas quando permitimos a expressão da vulnerabilidade.
Minha irmã mora na Noruega, trabalha em um hospital, não raros são as mensagens pedindo cuidado e narrando os cuidados que o País tem tomado nas fronteiras, o desabastecimento nos mercados, enfim todas as consequências, advindas da pandemia criada pelo vírus que para alguns organismos de mostrou-se letal.
Mas, afinal o que há por trás desta cortina perigosa que o vírus mostra sobre o comportamento humano no aspecto psíquico?
Para a psicologia dos Esquemas mentais nas apreciações de Young, corrente teórica com a qual me formei, oferece profundo entendimento a respeito destes modelos de funcionamento mental. Inicialmente explicar que por Esquemas compreendemos a busca por respostas, que tragam coerência de forma a serem entendidas cognitivamente e aceitas, como padrões interpretativos capazes de
explicar as experiências de vida. Isto tudo, se refere a crença, que individualmente cada um criou e que formou sua compreensão de mundo e de si mesma. O que quero dizer é que nestes tempos de incertezas, nossos esquemas disfuncionais, são capazes de assumir formas inimagináveis e doentes, transformando um ambiente propício a ansiedade, um cavalo de batalha. O problema está no ambiente? Ok ….pode estar, mas está em nós também, na forma como vemos e atuamos no mundo. Muitas pessoas fragilizadas psiquicamente, aumentarão ainda mais seus campos de vulnerabilidades e não serão capazes de assumir, de forma competente e independente, as responsabilidades do cotidiano, com medos, visíveis, invisíveis, reais ou imaginários. Certamente será um tempo fértil para pessoa com diagnóstico de esquema de vulnerabilidade. Contudo, com um agravante, sem ter em quem apoiar, pois que a época clama por individualidade nociva. Lembrando que estes esquemas mentais desadaptativos, não realizam discriminações finas, tudo vira uma coisa só.
Nosso tempo está rodeados pela incerteza, tudo muda e muda rapidamente num cenário impreciso, em contínua construção, para o bem ou para o mal. Muitos são os dilemas acerca da condição humana; que lugar ocupamos, quem somos, para onde vamos. Zygmunt Bauman visita ideias interessantíssimas sobre a constituição e a desconstituição da individualidade nestes tempos modernos. Seja por meio da linguagem, da necessidade de autorrepresentação, e dos esforços por autorrealização, com reflexo direto na interação com outros.
Fazendo deste limão, uma limonada.
É fato que aumentou o interesse da humanidade por tratamentos capazes de contribuir efetivamente para a superação dos transtornos de personalidade e dos comportamentos dependentes. Temos leituras de diversas áreas do conhecimento, alguns com estímulos sérios e pesquisas eficientes para a construção de uma visão mais significativa. A contribuição da psicoterapia tem sido inquestionável.
A outra face da moeda, não foca sob a égide dos transtornos de personalidade em si, mas sob a perspectiva de questionamentos. Será que somos capazes de conviver socialmente, num mundo de relacionamentos cada vez mais complexos?. E, o que nos chama atenção é justamente que um dos aspectos mais interessantes da ciência sobre este assunto, é o fator crítico para a evolução de “sistemas complexos”, a exemplo : nossas famílias, as organizações em que trabalhamos e nossa sociedade. A qualidade de conexão e da relação entre seus elementos. Mas, em tempos de vírus, sequer dar a mão é permitido. Para esta vertente de pensamento crítico é possível sim, e mais, desejável. É preciso nos colocar mais e mais neste espaço de vulnerabilidade.
VULNERABILIDADE SAUDÁVEL
A pesquisadora americana Brené Brown, que sobre o assunto, vulnerabilidade na área de assistência social ao analisar centenas de entrevistas, identificou através daquela amostragem que no grupo de pessoas, com forte dor existencial, eram justamente as capazes de estabelecer conexões fortes e verdadeiras, cujo valor presente: a coragem, intimamente correlacionadas, pertencimento e valor próprio.
A vulnerabilidade neste contexto é a disposição de se expor, de se expressar de uma forma autêntica e franca, de fazer coisas sem garantia, de correr riscos de forma responsável, ou riscos calculados. No sentido de desarmar-se e arriscar-se a cair, mas acima de tudo de tirar a armadura e respirar profundamente, permitindo que oxigene todo o sangue. Despir ideias e hábitos que as protegiam, e as mantinham isoladas. Ou seja, abrir-se às experiências que traziam propósito e significado às suas vidas.
Mas, como fortalecer relações num mundo onde tudo pode se transformar em suspeitas? Suspeitas de que o mal está por todas as partes e pode chegar sem se anunciar. A sensação de vulnerabilidade e incertezas, pode trazer sérios danos até para quem não sofre de transtorno de personalidade.
Para esta pesquisadora a característica mais marcante para ter uma vida significativa é a coragem. Não no sentido da bravura, de sair e realizar grandes feitos, não necessariamente, mas a de contar sua estória, revelando-se, quem se é de todo o coração; a coragem de ser autêntico de uma forma compassiva consigo mesmo sem receio de revelar suas imperfeições. Esta é a verdadeira conexão, a pessoa que você acha que deveria ser, ir em busca de um lugar onde ela possa ser quem realmente é. Ou seja, ser autênticos com compaixão. Sem estas características não conseguimos em nenhum tempo, em nenhuma outra condição, nos conectar verdadeiramente ao outro.
Minha experiência como psicoterapeuta tem me mostrado que momentos mágicos acontecem quando nossos pacientes se despem de suas armaduras, descem de seus “pseudos pedestais”, saem de suas cavernas, encaram seus medos, inclusive os mais temidos: de serem julgados, avaliados. E o temor de não corresponderem às expectativas dos outros, conseguindo se expressar nesta forma vulnerável com uma autenticidade compassiva. Muito embora, presenciemos cotidianamente as pessoas se manifestarem através de julgamentos, críticas e exigências.
Fato, as pessoas não têm nível de consciência a respeito do que estão sentindo, sequer sobre suas necessidades não atendidas. Exemplo, sentir raiva em razão de querer atenção ou sentir medo, por se sentir muito abandonado. Quando dizemos algo que sentimos, e somos capazes de nos expressar integramos uma dimensão, inquestionável e o acesso ao nosso íntimo, nos conectamos. Neste sentido, quando falamos na primeira pessoa através do “Eu estou me sentindo…”ou “ Eu sinto muito …” legitimamente, dizemos algo que é incontestável. Ao expressar nossos sentimentos, nossas necessidades fundamentais poderão ser atendidas, criamos possibilidades. Ou ao menos um natural campo de conexão. Temos sem exceção, necessidade de sermos reconhecidos, respeitados, apoiados, amados; sentir que pertencemos, que há espaços para sermos criativos, autênticos e assim estarmos em busca de propósitos e significados. A posição saudável de vulnerabilidade é exatamente esta, a de mostrar tais necessidades, criando uma conexão humana forte e desejável com nossos interlocutores, uma vez que eles por sua vez, também possuem suas respectivas vulnerabilidades.
Por: Laila Wahab
Advogada e psicóloga especialista em
Psicologias cognitivas
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