Por Raquel Baldo Vidigal
Antes de mais nada, começo dizendo que este tema delicado e cheio de pontos de vista e será visto aqui com um olhar psicanalítico, ou seja, livre de ideias rígidas, de padrões ou técnicas, tentando garantir uma neutralidade neste pensar. Logo o objetivo aqui é somente lembrar que existem muitos lados para uma mesma história!
Muitas mulheres são questionadas quando ainda não tiveram filhos ou ainda se manifestam que não se sentem completamente realizadas com a maternidade. Penso que um dos fatores fortes nesta situação está em nossa cultura, onde há uma imposição social e psíquica de que a maternidade deve ser sinônimo de felicidade. E creio que podemos dizer que sim, ser mãe é motivo de alegria para muitas mulheres e há muitas razões para isso. Porém, esperar ou cobrar que toda mulher deve ser feliz por ser mãe é crueldade e imposição de valores. A maternidade é uma relação entre dois seres e, como toda relação, precisa ser desenvolvida para se tornar amor. E para isso irá depender de ambos, mãe e filho – apesar da mãe ter forte ou maior papel na fase do primeiro desenvolvimento.
O instinto materno nem sempre existiu
É muito importante lembrar que historicamente as mulheres não exerciam ou ao menos não apresentavam este tão sonhado e falado instinto materno. Por exemplo, antigamente as mulheres quase não amamentavam seus bebês, eram as babás ou amas que tinham tal função. Assim como as mães não participavam das funções de necessidades básicas e afetivas também como: ninar, brincar, ensinar primeiros passos…. Tudo isso era repassado as cuidadoras. Mesmo uma mãe de família, mais pobre e que não tinha uma cuidadora, não prolongava ou acatava tais cuidados também. As crianças eram entregues a sorte ou cuidados de outros irmãos. Era muito comum terem muitos filhos, pois muitos morriam e era preciso gente na família para ajudar no sustento e na lavoura.
Hoje em dia podemos entender que de alguma forma essas mulheres diziam que a função materna não era algo do seu interesse e isso era totalmente apoiado pela sociedade e até pelos médicos. As mudanças só começaram a ocorrer no século XIX junto as revoluções e guerras ocorrendo pelo mundo, as mulheres passaram a ter que ficar em casa e então foram obrigadas a cuidar de seus filhos. Despreparadas e forçadas a tal função, apresentavam cuidados, ou falta deles, em atitudes grosseiras e bruscas, o que nos levar a pensar que essas mães não pareciam possuir instintos maternos afetivos.
Tal obrigação e aprimoramento nos cuidados com os filhos, passou a ter peso social e era estimulado pelo governo, que preocupado em manter sua população (devido a guerras) precisava que as crianças passassem a sobreviver e por exemplo iniciou campanhas sobre a importância da amamentação. Historicamente o instinto afetivo das mães não é percebido na maioria delas.
Então a maternidade feliz não existe? É tudo criação da sociedade? Também diria que não.
A maternidade tem mais de um lado: ela pode ser magnifica ou infernal, divertida ou tediosa, tudo vai depender do meio que se vive, que se foi criado, sua cultura, crença, para poder saber qual será o tipo de sentimento e relação a ser esperada. Este tema é polêmico e gera muitas sensações, desde revoltas até alivio e curiosidade, provavelmente porque muitas mulheres se identificam com tal ideia de que não nasceram mães ou para ser mães, mas puderam ou quiseram sim tornar-se uma mãe e isso pode ser muito agradável para algumas, mas não para todas.
Por que atacar o diferente?
Os ataques, ofensas e revoltas cheias de verdades e poder, feitos recentemente em rede social a uma jovem mãe que expôs seu tédio com a maternidade, nos mostra bem o quanto nos identificamos com tal questão. Penso aqui comigo e convido todos a pensarem juntos: por que será que tantas pessoas se incomodaram e ficaram furiosas com alguém que nem conhecem e nem mesmo estavam falando delas, mas de si? E ela não estava dando qualquer sinal de maus tratos a seu filho, apenas dizia que não via magia nesta função.
Na psicanálise há uma explicação para quando estamos tão incomodados com algo no outro, é provável que este outro seja um reflexo daquilo que não queremos ou não gostamos de ver e saber sobre nós mesmos. Essas mães fantásticas que se deram ao direito de agredir uma jovem mãe, mostrando como são sábias e incríveis, penso que talvez tenham se assustado com a ideia de também sentir tédio em relação a alguns momentos de sua maternidade.
E porque seria um problema ter tédio em ser mãe às vezes? Convenhamos que nem sempre a maternidade é divertida e mágica, há dias dificílimos e há épocas em que o difícil e tenso ganha disparado da alegria e magia. Podemos dizer que quem é mãe sabe bem do que estamos falando!
Uma mãe é sempre um reflexo de sua mãe!
A maternidade na verdade é mais um ponto dos conflitos femininos, são questões pessoais que estão em jogo nesta situação. De uma forma ou de outra somos mães em função da mãe que tivemos ou que aprendemos, temos base e registro de prazeres e necessidades e usamos disto como oferta a nossos filhos. O conflito da maternidade é circular e de tempos em tempos, os filhos questionam suas mães e acreditam que devam mudar ou fazer diferente para com os seus. Houve a época de mães esgotadas por tanto trabalho e com pouco tempo afetivo para seus filhos e estes cobraram mudanças e então tornaram-se mães muito presentes, que eram mães e donas de casa, no intuito de dar a seus filhos o que lhes faltou (geração essa ainda recente de nossas avós e mães).
Já as filhas atuais enxergam a falta de chance e de vida pessoal e profissional que suas mães tiveram e decidem que serão mães diferentes, pois irão estudar e trabalhar, serem vaidosas e querem apresentar um novo meio a seus filhos. Podemos dizer que os conflitos femininos e maternos, parecem acertos de contas, de tempos em tempos e penso que esta reação em rede social seguiu por esse caminho um acerto de contas entre mulheres e seus conflitos pessoais.
Uma mãe pode ser formidável, empolgada e presente e isso não é certo nem errado, assim como uma mãe pode ficar entediada ou mesmo não achar graça ou ficar desgastada com a função materna e querer agir diferente e ok. O ponto que serve de alerta é sempre o mesmo: uma mãe só pode ser boa mãe se souber apenas ser suficiente e nada mais ou nada menos.
Uma mãe suficiente é presente, mas sem ser invasiva e sufocante e também não pode estar ausente a tal ponto que seu filho sofra com a falta. Uma mãe suficiente é cheia de boas intenções, mas ela falha e erra e ajuda seu filho a passar ou lidar com tais frustrações, pois na vida todos erramos, não somos perfeitos. O amor de uma mãe é fonte de vida para seus filhos e ele pode acontecer de todas as formas, não há regra, está num sorriso, num gesto, numa bronca, numa ajuda ou cobrança. O amor está no fato de enxergar seu filho e ajuda-lo a ser ele mesmo. A mãe que se preocupa em ser perfeita não consegue enxergar seu filho, somente enxerga a necessidade dela mesma.
Acreditar e dizer que toda mulher deve sonhar ou viver um sonho com a maternidade é uma pressão cruel e que pode ser traduzida como pesadelo para algumas mães que se sentem diferente e também amam muito seus filhos, é preciso respeito as particularidades de cada mãe/mulher e filho.
Para terminar, acredito ser importante frisar que há uma grande diferença entre amor materno e instinto materno. Um parece ser possível, real, às vezes intenso outras nem tanto, parece saudável, enquanto o outro o inverso. Penso que não há mãe ou família que possa dar lição nenhuma a ninguém, afinal se o instinto materno existe, por que ainda temos e vivemos tantas angústias e fracassos em família e nas relações mãe e filho?
TEXTO ORIGINAL DE MINHA VIDA
Um homem foi arremessado de um carro em movimento após se recusar a sair do…
A jornalista inglesa Emma Flint conta que só descobriu o termo abrossexualidade aos 30 anos,…
Uma recente declaração de um padre sobre o uso de biquínis gerou um acalorado debate…
Saiba como traumas vividos na infância podem influenciar a vida adulta e como é possível…
Esta jóia do cinema disponível na Netflix envolve o espectador em uma trama de desejo…
Um filme ambicioso e bem realizado que fascina pelo espetáculo visual e pelas perguntas filosóficas…