Por Julia Vita
Eu sou mais uma mulher que, sob a falsa bandeira revolucionária da liberdade sexual feminina, começou sua vida sexual de forma muito precoce. Foi majoritariamente com homens – e com seus incentivos – que minhas primeiras transas se deram há 6 anos, quando eu tinha recém feito 14.
Antes de me envolver em relações sexuais, eu já me masturbava com frequência, muitas vezes no banheiro – gozava sempre e razoavelmente rápido, em paz. Nessa época eu era bem criança e, apesar de já receber olhares invasivos dos homens, não havia caído ainda na serventia compulsória de agradá-los, de existir em sua função.
Não demorou muito para que isso acabasse e me ensinassem que mulheres amadurecem mais cedo que homens. De maneira muito fácil, assimilei, como boa aluna, que era assim mesmo: os meninos da minha idade brincavam de carrinho, enquanto eu já despertava desejo sexual por onde passava – dos mais velhos, afinal, eles sim já haviam amadurecido. Então eu não me preocupava mais com brincadeiras bobas, até porque todos esperavam mais de mim.
Na escola, alguns professores me olhavam de forma diferente. Eu gostava quando eles diziam que eu era inteligente, que eu nem parecia ser tão nova – muitos diziam que eu era bem madura, que parecia ser bem mais velha. Achava ótimo, já que os meninos da minha idade não se interessavam em se relacionar com meninas, e eu já estava vivendo essa fase. Passei a ter meus amigos como bobinhos e a buscar aprovação masculina. Muitas amigas eram muito reprimidas e não falavam abertamente sobre sexo ou sobre seus corpos – mas logo percebi que todos os homens gostavam quando eu falava, diziam que eu era muito livre e diferente (o que me agradava bastante, uma vez que tudo que eu queria era ser livre).
Sentia-me muito bem por não ter tabus sexuais. Era bem-vinda nas rodinhas masculinas e falava que as meninas eram sem graça e cheias de frescura, já que os amigos falavam isso pra mim, dizendo o quanto eu era mais madura e legal que elas.
Aos 14 tive um namorado que deixava implícito que só ficaria comigo quando a gente transasse. Tive um receio, mas eu gostava dele e isso não poderia ser um problema logo pra mim. Quando aconteceu, tive muito orgulho de mim mesma, mas o processo todo foi um pouco difícil: eu me lavei muito antes, procurei uma gilete em casa, usei, e fui. Dessa vez ele gozou, eu não. Tudo bem, me disseram que ia doer muito.
Ele era bem-humorado. Às vezes fazia piada quando transávamos muito, dizia que minha vagina (buceta, né) tava tão larga quanto um túnel. Dizia que meu peito era meio separado, e sorrindo, juntava eles com as mãos, levantando-os um pouco. Falava pra eu me depilar, que tinha muito bigode, etc. Quando estávamos bem, ele disse “até que você é bonita, meio exótica.” Eu sempre fui uma mulher dentro dos padrões violentos impostos e aceitos socialmente – magra, branca – ou seja, não tive dificuldades de ser considerada bonita e agradável. Mas o poder devastador da opressão masculina é cruel e muito difícil de se identificar, principalmente quando se “ama”, e pior ainda, quando se é uma criança – fácil de dominar.
Depois dele, vieram muitos outros. Alguns eram mais sutis, mais gentis. Sugeriam que não gostavam de pelos, brincavam que vagina tinha cheiro de bacalhau, essas coisas assim. Fui aprendendo a ficar mais atraente, comprei umas revistas que ensinavam a dar prazer aos homens, uns sabonetes íntimos com cheiro de morango e passei a tomar pílula anticoncepcional, porque eles diziam que era muito chato usar camisinha. Eu já era tão livre que um deles até me disse: você é a namorada que todo homem quer! É bi, não tem ciúme e é bonita.
Passei anos transando muito. O namorado mais duradouro tentou me fazer gozar duas vezes me chupando, mas eu não consegui. Depois de uma semana ele me deu meu primeiro vibrador. Durante todo esse tempo, eu nem me masturbava mais como quando mais nova, desaprendi, – dedicava tanto meu corpo aos homens que nem pensava muito em sexo quando tava sozinha, afinal, pela regra, eu era sexualmente bem resolvida. Muitas vezes eu nem queria transar. Mas como nunca era tão prazeroso mesmo, aprendi a ceder aos namorados sem tanto sofrimento, pra agradá-los, assim eles seriam mais fiéis e não precisariam buscar outra menina. Esse namorado me falava pra eu ir à academia malhar, até pagava pra mim – dizia que minha bunda podia ser maior, era só eu querer.
Quando ganhei esse vibrador, eu já tinha uns 16 anos. Eu me sentia confortável pra gozar com meu namorado usando ele, e passei a usá-lo sozinha durante os dias que não nos víamos. Só que o tempo foi passando e o sexo começou a ser desgastante, muito porque só ele gozava e eu gozava com o vibrador – e dessa forma eu já me satisfazia sem ele. Um dia ele me disse que era pra eu não me masturbar durante a semana, porque eu perdia a vontade de transar com ele por causa disso. Repetidas vezes quando ele gozava e eu tentava me masturbar depois, continuando o sexo pro meu orgasmo, ele já estava deitado de olhos fechados (mesmo percebendo minha necessidade).
Dos 14 aos 18, foram 4 anos sem saber gozar de forma autônoma. Ninguém conseguia me dar prazer, mas eu me garantia no vibrador. Quando alguns caras percebiam meu problema, eu dizia que era super normal, que pra mim o que importava era o contato, que eu não precisava gozar sempre! Quem precisa? O sexo é bom por tudo, não precisa acabar em orgasmo. Certo. Dessa forma eu me iludi pra dar uma sensação de leveza aos homens, e continuei transando muito sem que gozasse nunca – isso pra mim era normal, desde que transei a primeira vez. Até porque em todo lugar diziam mesmo que mulher é mais difícil de gozar. Então eu me atinha aos manuais para um bom boquete.
Quando algum me chupava, eu não gostava muito – a maioria não se importava, outros não sabiam o que tavam fazendo e eu ficava fingindo prazer, eles ficavam com tesão ouvindo gemidos. Nas raras ocasiões onde era mais ou menos bom, eu tentava relaxar, mas era torturante e impossível: ficava preocupada com meu cheiro, lembrava das revistas que diziam “se tiver um pelinho fora do lugar, o amado vai fugir! Se tiver ferida de depilação é feio!” (acrescentar aqui suas milhares de preocupações quanto mais fora do padrão desejado de mulher você for), pensava que de qualquer forma não gozaria, porque a maioria só chupava durante 5 minutos – quando começava a ficar bom, acabava. Fora isso, quando durava mais, eu já me preocupava por estar sendo cansativo pro rapaz e me sentia um peso por ser tão complicada. Os filmes pornôs mostravam umas três lambidas e só, mesmo.
Comecei a falar pra todos eles que eu tinha um problema, que não conseguia gozar acompanhada, mas que não era pra eles se importarem com isso. Falava isso quando me sentia culpada por não gozar, pra evitar o constrangimento de o cara resolver tentar e falhar. E eu realmente achava que isso era um problema que eu tinha, como uma deficiência, algo de frigidez.
Com 18 anos foi a primeira vez que eu consegui gozar na boca de um homem. Foi extremamente difícil e demorado, mas ele me deu uma mínima segurança com meu próprio corpo e disse estar disposto. Mínima segurança porque ele gostava também de parecer livre, mas na verdade era muito opressor, ainda que mais sutil. Passei a usá-lo nas minhas desculpas: eu tenho dificuldade mesmo, só uma pessoa me fez gozar na vida. Assim os caras transavam comigo com menos pressão.
Aos 19 foi quando entendi melhor tudo o que passei, meus relacionamentos abusivos e minhas feridas consequentes deles. Fiquei um bom tempo sozinha, passei a amar mais meu corpo, entendi meus pelos e meu cheiro. Entendi a cultura pedófila onde meninas são entregues banalmente a homens bem mais velhos, onde mulheres precisam se depilar totalmente para parecerem meninas.
Entendi que dominar meninas é muito fácil, e que moldá-las a seres frágeis e submetidos é natural, e que tal cultura é muito funcional para explorar nossas crianças. Numa sociedade machista, onde o homem detém poder, as mulheres servem como suas propriedades – e é muito mais fácil controlar uma menina em fase de aprendizado, buscando sua autonomia. Destruir sua auto-estima e confiança nessa fase é ainda extremamente eficaz, pois é algo que possivelmente a perturbará para o resto da vida – seja por traumas consequentes ou por absorver tal criação.
Voltei a conhecer meu próprio prazer, como comecei na primeira infância antes de roubarem isso de mim. Descobri que todo o sexo que já havia feito era apenas para agradar homens, reproduzindo inclusive imagens de uma indústria pornográfica – que violenta mulheres – para ser visualmente erótico. Nada daquilo havia me dado realmente prazer, e pra me enquadrar no status mulher livre sexualmente, me podei tanto que tinha vergonha do meu corpo. Tive que passar por situações horríveis que uma menina de 14 anos nunca deveria ter passado. Aprendi que pra eu gozar tem que ser tudo diferente, do meu jeito – e não é nada do que mostram por aí. Tenho amigas que dizem saber gozar, mas que raramente conseguem, por terem medo da reação do cara. O nosso prazer está tão em prol do homem, que é normal fingir orgasmo, um gozo manjado de filme, para que ele fique contente e ache que é um ótimo parceiro.
Quando ouço que “feminista é tudo mal comida”, percebo o quanto essa frase é útil pra que as mulheres não se libertem de verdade e continuem agindo em função dos homens. Quanto mais você é ciente do próprio corpo e de tudo que te violenta, mais você fugirá disso e mais prazer consigo mesma você terá. Ou seja, dar prioridade pras mulheres ao invés dos homens, foi fundamental pra que eu aprendesse a gozar.
Ainda tenho dificuldade pra gozar, e se não sentir que o outro se importa, me sentirei péssima. É muito fácil voltar a pôr meu próprio prazer em segundo plano, e sei que não me desamarrei disso. A vida inteira tendo meu prazer reprimido, tido como algo errado, e só considerável quando explorado para o bem masculino. Ainda sinto as amarras da obrigação de fazer meus companheiros muito satisfeitos. Ainda recebo deles os olhares de decepção quando não gozam. Ainda transo sem vontade para que eles não fiquem estressados. Ainda sofro. Mas apesar de tudo isso, tenho consciência de que não é um problema meu, e quando me disponho a me fazer gozar, principalmente sozinha, consigo muito rápido, ao contrário do que os manuais ensinam sobre nossa eterna jornada.
Isso é compreender que a liberdade sexual feminina é usada estrategicamente para manutenção de privilégios de dominação patriarcal, e que de liberdade não há nada. Hoje em dia, com 20 anos, ainda acho que nem todo sexo precisa acabar em orgasmo. Mas por lembrar de como fui ofuscada atrás dessa máscara para prazer do outro, tenho cuidado com tal afirmação.
A insustentável leveza do não orgasmo é não desmanchar em preguiça e falta de energia na cama após um gozo, como meus companheiros fazem: fico leve e disposta. Mas é também eternamente carregar esse peso – que pesa em todas as mulheres – sobre meu ser.
Imagem de capa: Shutterstock/Rocketclips, Inc.
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