Por Raquel Baldo
Interferir na vida e relação dos outros é uma prepotência de conhecimentos. Pensem na palavra: Interferência! Normalmente, ao pensar nela, não visualizamos algo agradável ou que desejamos para nossa vida, não é mesmo!? Esta palavra nos lembra, por exemplo: interferência de rádio ou de TV, quando outras vozes ou imagens invadem aquela programação que estávamos desejando, ou seja, uma interrupção, uma invasão de imagens ou som, algo que atrapalha e que nos força desligar ou mudar o canal, a estação. O mesmo acontece em nossa vida pessoal.
É curioso e válido lembrar que normalmente as interferências na vida de uma pessoa ou em um relacionamento são feitas por pessoas próximas ou íntimas, como familiares e amigos. E justamente é esta intimidade ou proximidade que acaba sendo a geradora de conflitos.
As pessoas se julgam no direito de avaliar a vida ou relação de outros próximos, acreditando muitas vezes que estão ajudando ou fazendo o bem, que estão “cuidando”. Afinal gostam e se importam uns com os outros, ou pelo menos usam deste conceito para justificar seus atos, mas esta ideia é fantasiosa. Acreditar que deve proteger, conduzir, ensinar ou salvar este outro (amigo, filho, irmão…), acaba sendo na verdade uma desculpa moral inventada para gerar uma falsa permissão e assim poder entrar, “sem bater na porta”, na vida ou na relação de outra pessoa. E, entrar sem bater é na verdade invasão.
Muitos pais, amigos, parentes e filhos tendem a oferecer opiniões, palpites e dicas do que acreditam ser melhor para si e logo acreditam ser para o outro também. Quando uma ideia, uma crença ou gosto pessoal é induzido em outra pessoa, isto é interferir, invadir e mexer em um espaço íntimo e reservado, na existência daquele indivíduo e no caso de uma relação amorosa o espaço é reservado aos dois somente, o terceiro não faz parte, mesmo que cheio de boas intenções e mesmo que seja, mãe, pai, irmão, avó, madrinha, irmão, melhor amigo…
Como fica quem sofre a interferência?
As pessoas que sofrem com essas interferências em suas vidas pessoais e amorosas acabam passando por uma situação delicada e difícil de resolver e conviver. Mas é uma questão que merece atenção e necessita limites e controle, pois se não for bem resolvida poderá atrapalhar seriamente sua vida, gerando términos de namoro, casamento, perda de trabalho, amizades… Muitos sentem dificuldade de impor um limite ou uma barreira para estas interferências por costume, visto que cresceram ouvindo, obedecendo e fazendo ou deixando e fazer algo conforme vontade daquele meio (pais, irmão, amigos). Sentem dificuldade de barrar ou expor sua opinião por medo de magoar aquelas pessoas queridas e tão próximas e que parecem ter tão boa vontade e lhe querer bem.
Existe também o fato, que merece ser considerado, de que a pessoa que recebe e vive com estas interferências em sua vida, sem impor um limite em sua vida pessoal e amorosa, deixa isso acontecer, porque na verdade necessita e até busca por estas intromissões e palpites em sua vida! Isso costuma acontecer com quem possui dificuldades de assumir e lidar com suas inseguranças e responsabilidades e assim acabam permitindo as invasões e intromissões em sua intimidade, não tanto para agradar quem o faz, mas sim para transferir ou dividir sua responsabilidade de vida. E este movimento acaba permitindo que terceiros abram a porta de sua casa, sua vida, ou da vida de seus filhos, do seu namoro, ou trabalho e entrem com suas ideias.
Os pais e familiares acabam sendo campeões nestes assuntos, acreditando que fazem e querem o melhor (o seu entendimento do que é melhor) para seus filhos se autorizam a mexer, mudar planos e conduzir a vida deles conforme fazem em sua vida, ou desejam para si. Não é um desejo para o outro, como acreditam, é um desejo próprio.
De boas intenções…
É bem importante refletir a respeito deste assunto, que a interferência na vida de outra pessoa não está ligada somente a boas intenções, como costumam justificar. Esta interferência, que falamos aqui, na verdade está relacionada a um movimento que conhecemos por inveja. A inveja faz parte dos sentimentos e movimentos humanos e se não for contida e bem trabalhada, ela pode ser sim destrutiva. Por exemplo: uma mãe que não aceita o namoro de seu filho, um amigo que não gosta do fato que seu amigo vai casar, um pai que não aceita uma profissão diferente escolhida por seu filho.
São situações onde alguém está se sentindo perdendo, não somente perda da pessoa, mas perda do que sonhava e desejava para si e para aquele indivíduo. Quando acontece a escolha diferente, ela interfere nos planos fantasiados e desejados. O outro (filho, amigo) assim como o que aquele outro está tendo e fazendo, é fonte do nosso desejo e se não poderemos ter o que queremos a tendência é o surgimento da inveja e o resultado dela é boicotar a vida do outro para que ele continue onde e como estava, assim “não há perdas”. Este movimento de inveja é muito mais comum e presente em nossas vidas do que acreditamos e o verdadeiro objetivo de interferir na vida do outro é para que o invejoso (aquele que interfere, critica, palpita…) prove que está certo.
Nossa construção moral não nos permite usar a inveja tão livremente assim, não soa bem ou bonito. Por isso precisamos justificar com desculpas fantasiosas que camuflam a inveja e a disfarçam de possíveis cuidados e preocupações com o outro, o que na verdade é um incômodo. E não é de hoje que o diferente incomoda e causa conflitos na história da humanidade, estando presente em grandes fatos históricos, como em cenas simples e cotidianas, por exemplo: aquela mãe que está profundamente incomodada com a filha comprar o enxoval pronto de seu neto, em vez de fazer/costurar como ela fazia; ou aquele pai incomodado porque o filho não se tornou um empresário de sucesso como o pai e buscou outras opções de vida; ou outra cena muito comum e atual são as postagens e piadinhas nas redes sociais de pessoas justificando que elas sim tiveram infância feliz, pois passavam o dia no barro, pulando corda, jogando bola, bebendo água da torneira e que as crianças de hoje não são felizes por não terem isso! Quem disse, que não são felizes? Só porque possuem diversões diferentes? Reparem no tamanho do Ego de uma pessoa quando afirma que ela sim sabe o que é bom.
A interferência sugere prepotência de conhecimentos e exclui a existência de uma relação real e saudável. É importante lembrarmos que, o que é bom para um, não necessariamente será para outro e tão pouco garante o melhor caminho. A criança que brincava de bola na rua com seus amigos era sim feliz, pois era sua realidade, já as de hoje, se forem para rua brincar podem ser atropeladas ou assaltadas, sem contar que muito provavelmente seus amigos também não estarão na rua, pois os tempos mudaram e mudam mesmo, é assim que acontece o desenvolvimento da humanidade.
Diferença entre invadir e opinar
Para terminar, deixo aqui outro ponto, válido de pensar sobre o assunto, às vezes uma pessoa pode mesmo estar com dificuldades em sua vida e precisar de ajuda e isso não nos faz invejosos ou palpiteiros, pois há uma grande diferença que deve ser levada em consideração. Interferir é invadir com suas ideias, opiniões e achismo. Já, ajudar uma necessidade é ouvir e ver o outro, levando em consideração os desejos, as dúvidas, os medos deste outro e é este ponto que faz toda diferença.
Então, podemos sim dar opiniões aos amigos, filhos e conhecidos, mas somente se eles perguntarem ou pedirem ajuda. Caso contrário, contenha-se e deixe o outro ser humano existir por ele mesmo e buscar suas chances de felicidade na vida. Se vocês possuem mesmo uma relação forte, íntima e amigável, ele provavelmente vai te procurar quando precisar, mas isso não garante que irá seguir suas dicas de vida, às vezes nossa orientação serve apenas de parâmetro ou de ideia.
E para os casos em que se acredita mesmo que seu conhecido está em apuros e não enxerga isso, tente se manter próximo, mas sem palpitar ou interferir na vida dele. Tente entender o que ocorre e de que forma este conhecido poderia abrir uma porta para você entrar e ajudar, acolhendo e sendo parceiro, não sendo dono da razão. Somente assim poderá oferecer sua opinião, sua preocupação e suas soluções para o outro pensar e achar uma forma dele resolver.
Respeitar a individualidade faz toda diferença, fortalece a relação e constrói possibilidades e é bem diferente da interferência ou inveja que boicota e destrói as ideias do outro. Pense nisso!
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