Por Karen Young
Existe algo extraordinário escondido nas paredes do nosso sistema digestivo. Cientistas já sabem disso há algum tempo, mas novas tecnologias estão levando as pesquisas ao topo.
O que foi descoberto irá revolucionar a forma que pensamos sobre a nossa saúde física e mental.
O que acontece na nossa cabeça tem muito a ver com o que acontece mais ao sul, onde cientistas carinhosamente apelidaram de “o cérebro no intestino”. Há uma forte conexão com o cérebro na nossa cabeça, e juntos, são peças fundamentais no nosso humor e saúde mental.
O cérebro em nosso intestino, ou o segundo cérebro, como é chamado, é formado por algo em torno de 200 a 600 milhões de neurônios, localizados no tecido do trato gastrointestinal.
Com toda essa potência, não é surpresa que o intestino faça muito mais do que apenas lidar com a comida e outras coisas no corpo humano.
Tem um papel fundamental no funcionamento mental e emocional, enviando informações diretamente para o cérebro e influenciando sentimentos de stress, ansiedade e tristeza, assim como memória, tomada de decisões e aprendizado.
O cérebro em nosso intestino não é capaz de pensar como estamos acostumados, mas se comunica com o nosso cérebro principal, sendo fundamental para nosso bem-estar emocional e mental.
Não é novidade que ansiedade, stress e depressão normalmente trazem ‘barrigas tristes’ com eles, com constipação, diarreia, inchaço e dor.
Por décadas, médicos acharam que stress, ansiedade e depressão eram a causa, mas agora parece que é o contrário. Irritações no sistema gastrointestinal mandam sinais para o cérebro que ativam mudanças de humor. Sabemos que probióticos aliviam os sintomas de ansiedade e depressão, e esse pode ser o motivo.
O intestino não é apenas importante para a saúde física, mas também é fundamental para a saúde mental. O que é fascinante é a direção da influência. O nervo mais longo saindo do cérebro é chamado de vago (na verdade é um par de doze que saem do cérebro).
Ele vai até a barriga e encosta no coração e na maior parte dos órgãos ao longo do caminho. Aqui está a parte interessante: cerca de 90% das fibras do vago carregam informações de órgãos internos no tórax (como o coração) e do abdômen até o cérebro, e não o contrário.
Nossa linguagem evidencia isso – nós estamos falando muito antes de conhecermos. Se você já foi direcionado pelo seu instinto para tomar uma decisão, ou ouviu seu coração, é provável que tenha percebidos sinais do seu segundo cérebro.
Além de neurônios, temos outro destaque no conexão barriga-cérebro – as 100 trilhões de bactérias que vivem no trato gastrointestinal. De acordo com o professor de fisiologia, psiquiatria e ciências comportamentais Emeran Mayer, da UCLA, essas bactérias contêm sabedoria que é enviada ao cérebro.
Elas afetam nosso comportamento a todo minuto durante todos os dias desde que nascemos, e provavelmente até antes.
A pesquisa do professor Mayer mostrou como combinações específicas de bactérias podem influenciar a rede neural do cérebro e assim afetar o temperamento, humor e aprendizado.
Outros pesquisadores também exploraram a possível conexão entre essas bactérias e comportamento, e assim fizeram descobertas interessantes.
Em um estudo, quando as bactérias de ratos tímidos foram transferidas para ratos extrovertidos, os extrovertidos se tornaram mais ansiosos. Também deu certo no sentido contrário: quando os ratos tímidos receberam as bactérias dos extrovertidos, os ratos tímidos se tornaram mais atrevidos e extrovertidos.
Ratos agressivos se acalmaram quando cientistas ajustaram suas bactérias dando antibióticos e probióticos para eles.
Uma pesquisa encontrou correlações entre temperamento e a presença de uma bactéria intestinal específica em crianças, particularmente meninos. A conexão foi independente do histórico de amamentação, dieta e método do parto. O que foi descoberto:
– Crianças com a maior diversidade genética de bactérias gastrointestinais eram mais positivas, curiosas, sociáveis e impulsivas.
– Nos meninos, extroversão foi associada com a abundância de um tipo específica de bactéria (famílias Rikenellaceae e Ruminococcaceae e gênero Dialister e Parabacteroides).
– Nas meninas, auto controle, carinho e foco foram associados a uma menor variedade de bactérias.
– Meninas com grande quantidade de uma família de bactérias espefícia (Rikenellaceae) aparentaram ser mais medrosas do que as meninas com uma diversidade equilibrada na microbiota.
Essa pesquisa ainda é recente, então não ainda não é certo o que seria uma barriga ideal em termos de equilíbrio das bactérias gastrointestinais, ou quais fatores seriam influência. É possível que o equilíbrio perfeito varie de pessoa para pessoa.
A depressão é amplamente atribuída a uma diminuição na serotonina, um neurotransmissor que é responsável pelo humor. O que é impressiona é que apenas 5% da serotonina do corpo é armazenada no cérebro. Os outros 95% são armazenados no intestino.
Não é surpresa então que a grande maioria de antidepressivos que atuam nos níveis de serotonina usualmente causam desconforto gastrointestinal.
Também não é surpresa que o intestino esteja mais ligado à depressão do que a gente imagina. Pesquisas continuam sendo feitas em busca de respostas.
Pesquisadores descobriram que jovens adultos que comem mais comida fermentada (que contém probióticos) têm menos sintomas de ansiedade social.
Conforme o professor de psicologia Matthew Milimire, ‘é provável que probióticos nas comidas fermentadas são favoráveis a mudanças no trato gastrointestinal, que influenciam a ansiedade social… os microrganismos na sua barriga podem influenciar sua mente.’
A necessidade de conforto raramente nos direciona a vegetais. Pelo contrário, ‘comida de consolo’ tende a ser rica em gordura e em calorias.
A relação entre comida e humor não é coisa da nossa cabeça. Sim, comida de consolo é muito mais gostosa, muito mais cheirosa e trás a memória momentos de alegria e segurança, mas tem muito mais que isso, conforme uma equipe de pesquisadores Belgas descobriu.
Os pesquisadores deram nutrientes diretamente aos estômagos dos participantes via uma sonda nasogástrica, com a intenção de tirar a experiência sensorial que normalmente é associada a comida de consolo, como cheiro, gosto e memórias.
Os participantes receberam ou uma solução salina ou uma infusão de ácidos graxos. Sem saber o que estava na sonda, aqueles que receberam ácidos graxos tiveram metade dos níveis de tristeza e fome comparado aos que receberam a solução salina.
Isso também foi constatado por exames cerebrais. Imediatamente após os ácidos graxos chegarem ao estômago, foi vista uma atividade maior na parte do cérebro que controlar as emoções.
Uma pesquisa mostrou que ratos estressados preferem comida mais gordurosa (manteiga de amendoim) do que ração regular. Naturalmente, eles ganham mais peso do que seus colegas menos estressados.
Em tempos de stress, o intestino aumenta a produção de grelina, um hormônio que sinaliza a fome para o cérebro. Pesquisas em humanos chegaram à mesma conclusão. Em um estudo recente, casais tiveram um aumento significativo do hormônio após uma discussão.
Os pesquisadores não puderam concluir que relacionamentos não saudáveis causam más escolhas na hora de comer, mas a correlação é forte.
O professor Mayer pontua que nos últimos 50 anos percebeu um aumento drástico nos casos de autismo, esclerose múltipla e obesidade. Todas essas doenças alteraram as interações entre intestino e cérebro.
Ao mesmo tempo, nos últimos 50 anos, a forma que o alimento é produzido e processado foi muito modificada, e também a forma que utilizamos antibióticos. Isso é reflexo das nossas escolhas? Do jeito que está, é apenas especulação, mas é uma área de estudo que está ganhando visibilidade.
A saúde mental não fica só na cabeça. Nem a doença mental. Finalmente, a ciência está nos dando provas concretas disso. As pesquisas são animadoras e promissórias no sentido de revolucionar os tratamentos para uma série de fatores e o jeito que cuidamos da nossa saúde mental.
A pesquisa está constantemente evoluindo, mas nós sabemos a importância de ficarmos atentos ao estado que o nosso intestino está e fazermos o possível para mantê-lo saudável.
Ali está o segundo cérebro, e possivelmente, umas das chaves para o sucesso do nosso bem estar mental e emocional.
* Nota: As informações e sugestões contidas neste artigo têm caráter meramente informativo. Elas não substituem o aconselhamento e acompanhamentos de médicos, nutricionistas, psicólogos, profissionais de educação física e outros especialistas.
Texto originalmente publicado no Hey Sigmund , livremente traduzido e adaptado pela equipe da Revista Bem Mais Mulher
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