Ao contrário do que muita gente pensa, não se trata de um dom mágico, mas de um conhecimento que todas temos e que nos ajuda a tomar decisões

Aqui, contribuindo para uma matéria da Revista Ana Maria, em reportagem de Olga Penteado. 

Quando chego ao Ser Intueri, um centro de estudos sobre intuição, de São Paulo (SP), Virgínia Marchini dos Santos, psicóloga junguiana com pós-graduação em Psicologia Analítica, conta essa lenda para mim. “Interessante, mas o que ela tem a ver com a intuição?”, pergunto. “Tudo”, responde Virgínia. “A intuição, ao contrário do que muita gente pensa, não é um dom mágico, sobrenatural, mas uma forma de conhecimento que todos temos. Ela está lá, dentro de nós.” Faz sentido, não? A diferença é que algumas pessoas a levam a sério – como você vai ler nesta reportagem –, ao passo que outras não prestam atenção. Se você está neste segundo grupo, a boa notícia é que essa habilidade pode ser aperfeiçoada.Depois de haver criado a humanidade, os deuses entraram em uma discussão a respeito de onde esconder as respostas para as questões da vida. “Podemos esconder no topo de uma montanha. Eles nunca irão procurar lá”, disse um deus. “Não”, disseram os outros, “eles logo a encontrarão”. Então outro deus disse: “Podemos escondê-las no fundo do mar. Eles nunca irão procurar lá”. “Não”, disseram os outros, “eles logo as encontrarão”. Todos se calaram. Depois de algum tempo, outro deus sugeriu: “Devemos colar as respostas dentro dos homens. Eles nunca irão procurar lá”. E assim fizeram.

O que é intuição, afinal? A palavra latina intueri, origem do termo, significa “ver interiormente, considerar, contemplar”. “A intuição é um conhecimento, como o racional, só que surge no nosso inconsciente: vem de dentro para fora”, explica Virgínia. “O lado esquerdo do nosso cérebro é predominantemente racional, lógico, analítico, enquanto o direito é ligado às emoções, à criatividade. O esforço que fazemos para obter uma informação é racional, é consciente. Já a intuição é a nossa capacidade de captar as informações que não estão no campo do consciente, e sim no inconsciente. Portanto, não passa pelo racional”, completa Angelita Corrêa Scardua, psicóloga com pós-graduação em Neurociências e Comportamento, de Vitória (ES).

Ou seja: o nosso lado racional armazena dados concretos, transmitidos por meio de palavras, de números, códigos que são compreendidos por todos ao redor. Já a intuição, ancorada no inconsciente, fala uma linguagem não verbal, por meio de símbolos, imagens, sensações, sinais extremamente sutis. A pergunta é: como interpretar essa linguagem? Se despir de preconceitos é o primeiro passo para quem quer ter a intuição como aliada. O segundo é prestar atenção em si mesma e em tudo que está à sua volta.

A linguagem dos sonhos

Durante boa parte da sua vida, a psicóloga Ana Paula Jorjão, também do espaço Ser Intueri, foi guiada pelo lado racional. Tinha um bom emprego como analista de sistemas, mas não estava feliz profissionalmente. Essa insatisfação já havia aparecido antes, na época da faculdade. No terceiro ano, teve um lampejo – “Vou estudar Psicologia”, disse para si mesma. Mas não levou a ideia adiante. Muitos anos depois, ao acordar, pensou: “De hoje não passa, vou mudar de profissão”. Dirigindo para o escritório, ao parar em um semáforo, se deparou com um outdoor de uma faculdade de Psicologia. Dessa vez, resolveu ouvir a voz interior. Passou no vestibular, conciliou a faculdade com o trabalho, se formou. Aí surgiu outro conflito: como largar um bom emprego aos 32 anos de idade e começar uma vida nova? Até que uma noite sonhou que estava dirigindo um carro novo, em uma estrada bonita. Já familiarizada com o significado dos símbolos, não teve dúvida ao acordar. “Na linguagem simbólica, dirigir um carro significa a condução da sua própria vida, assim, interpretei o cenário positivo como sucesso na nova profissão e isso me deu coragem para mudar”, conta ela, que trocou a área da computação pela psicologia e não se arrependeu. Pelo contrário!

A história ilustra vários aspectos característicos da intuição: a ideia que vem como um estalo (na verdade, os sinais estão lá no inconsciente), a coincidência ou sincronicidade (deparar-se com o cartaz no momento em que questionava sua profissão) e a linguagem dos sonhos. “Quando dormimos, nossa consciência adormece e mergulhamos no inconsciente”, diz Virgínia. Por isso, ele é uma das principais ferramentas para quem quer aguçar essa habilidade. “Experimente fazer este exercício: ao acordar, fique mais um pouco na cama e procure reviver as emoções do sonho sem deixar o pensamento interferir muito nesse processo. Depois, tente memorizá-lo, fale em voz alta ou escreva em uma caderneta”, ensina a psicoterapeuta Alina Discepolo, especialista em psicodrama, de São Paulo (SP).

A sutileza dos sinais

A mensagem do sonho também pode vir de uma forma mais direta, menos simbólica. Você já deve ter visto em filmes um cientista encontrando, em um sonho, a solução para uma equação. Isso acontece de verdade. Ana Livia Lima, 27 anos, assessora de imprensa de São Paulo (SP), costuma ter revelações em sonhos. “Uma prima estava tentando engravidar e não conseguia. Eu sonhei que a mãe dela estava cuidando de um bebê. No dia seguinte, falei para minha prima fazer o teste, e não deu outra: estava grávida”, conta.

Para a psicóloga Angelita, um sonho revelador, como o de Ana Livia, pode ser explicado, novamente, pelo repertório que mora no nosso inconsciente. “Desde o início da gravidez, os hormônios provocam alterações no nosso corpo, até a pele fica diferente. Mulheres que acompanharam outras gestações percebem intuitivamente esse processo”, explica. “Nós somos incentivadas e treinadas desde muito cedo a cuidar do outro, a se colocar no lugar dele.” Por isso, segundo ela, desenvolvemos a habilidade de captar informações muito sutis. Aqui cabe uma pergunta: somos mais intuitivas que os homens? Não necessariamente, dizem as psicólogas, em coro. O que acontece é que, geralmente, como somos mais treinadas a perceber o outro, captamos os sinais que as pessoas emitem.

Confiar é preciso

Quem nunca ouviu soar um sinal de alerta interno, dizendo “tem alguma coisa errada aqui”? Mais uma vez, é a intuição que aparece como uma resposta imediata que nosso inconsciente constrói diante de uma situação. Em décadas dedicadas ao estudo da intuição, Virgínia destaca o caso de uma ex-aluna que estava procurando, com o marido, um apartamento para comprar. Depois de muitas visitas, restaram duas opções: um imóvel na planta e outro em um prédio antigo. O casal escolheu o primeiro. No dia em que iriam assinar o contrato, ela acordou cismada e quis ir ao prédio antigo mais uma vez, para desespero do marido, que desejava resolver o assunto de uma vez por todas.

Lá, a moça abriu um armário que ainda não tinha visto, e dentro, colada em uma porta, estava uma das suas poesias favoritas. Nesse momento, teve certeza de que era esse o apartamento certo e, apesar dos protestos do marido e da família, não arredou pé. Depois de um ano, a construtora que iria erguer o imóvel faliu. Passado mais algum tempo, o bairro onde estavam morando valorizou muito.

De onde vem a coragem, como no caso acima, de tomar uma decisão que parece não ter lógica, contrariando o senso comum? Como saber de antemão que ela é acertada? O importante é acreditar em você mesma. “A pessoa intuitiva conhece a si própria e é autoconfiante”, diz Virgínia. E só ela que vai saber separar medo, vontade e intuição. Se você não gosta de voar e toda vez que entra em um avião acha que vai acontecer um acidente, isso é medo. Se você está apaixonada, não é correspondida, mas acha que um dia ele vai descobrir a mulher maravilhosa que é, isso é desejo. “A intuição nem sempre vai apontar um caminho que é o que você deseja conscientemente”, alerta Ana Paula.

Dois dos maiores inimigos da intuição são a ansiedade e o estresse. “Para combatê-los, aposte na meditação, faça, mandalas, pinte, nade, corra, ou seja, dedique-se a qualquer atividade que favoreça o mergulho interno e dê prazer. Assim, você consegue desligar a mente dos problemas”, aconselha Alina. “Não existe fórmula mágica, só com o autoconhecimento você passa a confiar na intuição”, conclui Virgínia. Vale a pena tentar, pois além de tomar decisões mais acertadas, você vai se conhecer melhor, viver de acordo com os seus valores e ser mais feliz.

Angelita Corrêa Scardua

Psicóloga, Mestre e Doutoranda pela USP (SP). Especializada em Desenvolvimento de adultos, na experiência de Felicidade e nos estudos da Psicologia Social.

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