Por Alison Birrane
Depois de um dia cansativo e frustrante no trabalho, muitos de nós precisamos simplesmente “descarregar”. Alguns vão para a academia para deixar a raiva baixar; outros preferem ir diretamente para o bar e desabafar com os amigos.
Mas agora há quem acredite que a melhor maneira de baixar a tensão é combinar as duas coisas.
Em um pub de Calgary, no Canadá, um grupo de adeptos da ioga está tentando fazer exatamente isso, ao praticarem a Rage Yoga (“ioga da raiva”, em tradução literal). O novo conceito pega o ambiente zen da aula de ioga convencional e vira tudo de cabeça para baixo, incentivando os praticantes a gritar e soltar palavrões entre uma postura e outra, e a tomar uma cerveja depois.
Pode parecer absurdo, mas é verdade. O site dos organizadores da aula anuncia que os alunos devem se preparar para uma sessão de “linguagem chula, risadas e molecagens”, com o objetivo de “melhorar a saúde e a forma física”. O preço: o equivalente a R$ 33 por hora, com direito a um desconto nas duas primeiras cervejas.
A ideia veio da instrutora de alongamento e ioga Lindsay Istace, de 24 anos, quando ela se recuperava do fim de um namoro. “Eu estava muito magoada, irritada e confusa”, lembra. Aos poucos, percebeu que os palavrões estavam fazendo parte da sua prática diária, entre um exercício e outro.
Canadense Lindsay Istace criou a ‘ioga da raiva’ após o fim de um namoro
Os benefícios da ioga e da meditação já foram bem analisados e documentados pela Ciência. São atividades que ajudam muitas pessoas a administrar o estresse, melhorar a concentração e conquistar uma vida mais saudável. Tanto que muitas empresas até incentivam essas práticas entre seus funcionários.
Estudos realizados nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha, na Itália e na Nova Zelândia indicam que uma linguagem mais “pesada” ajuda a aumentar a tolerância à dor, nos faz parecer mais persuasivos no ambiente de trabalho e, dependendo do círculo social, cria uma sensação de solidariedade.
Istace afirma que a prática da Rage Yoga a ajudou a liberar sentimentos negativos em um ambiente seguro. “Passei dos gritos e xingamentos para o choro e, finalmente, voltei a rir de mim mesma”, conta. “Quando você se permite (ter) um espaço para realmente se soltar, fica difícil se levar muito a sério ou encarar com gravidade os seus problemas”.
Mercado zen movimentou mais de US$ 13 bilhões nos EUA, no ano passado
Depois de fazer piada sobre a ideia dessa nova “modalidade” de ioga com os amigos, a instrutora decidiu criar um workshop para apresentá-la em congressos e festivais. Foi um sucesso.
Logo em seguida, ela montou uma aula voltada apenas para executivos, ao fim do dia de trabalho. “Tudo começou como uma brincadeira, mas depois de algumas sessões, percebi que havia algo interessante aqui”, diz Istace. “As pessoas estavam realmente se conectando com o conceito.”
A aula começa com um momento de calma em que a professora pede aos alunos para “se libertarem de todas as merdas vividas durante o dia”. Os palavrões vão sendo incorporados ao longo da sessão. No final, em vez de dizerem a saudação em sânscrito “namastê” (forma de reverência tradicional entre praticantes da ioga), as pessoas são convidadas a repetir: “F…, yeah!” (Algo como “que se f…”).
E a jovem canadense não é a única a apostar na ideia. Jason Headley, escritor e diretor em San Francisco, nos Estados Unidos, criou no YouTube o vídeo F*ck That: An Honest Meditation (“F…-se: uma meditação honesta”), depois de ouvir uma gravação de meditação guiada junto com sua esposa.
“Não acreditei na voz ‘tranquilizadora’ do locutor. Comecei a usar esse tom a toda hora, só de brincadeira. Um dia minha mulher estava superchateada e eu disse a ela, com a tal voz: ‘Reconheça para você mesma que toda essa m… nada mais é do que a p… de uma grande m…’. Ela riu muito e nos demos conta de que isso podia ser algo legal”, conta ele.
Headley escreveu o roteiro para o vídeo e gravou sua própria locução. No ar desde julho do ano passado, o filme já atraiu mais de 7 milhões de hits.
Atualmente, o caminho para o bem-estar e a consciência plena pode incluir todo o tipo de recurso: de aplicativos de meditação, baladas matinais com dança e ioga, e uma variedade de livros, revistas e workshops. Isso está atraindo cada vez mais investidores para o mercado zen.
Um relatório da empresa de pesquisas americana IBISWorld mostra que, em 2015, o segmento da saúde alternativa movimentou uma receita de US$ 13,3 bilhões apenas nos Estados Unidos. A meditação responde por 7,4% desse total, enquanto a ioga chega a 15,1% e os exercícios de respiração profunda, 15,3%.
A maior fatia desse mercado é formada por atividades que se concentram em aspectos positivos. Por isso, ainda não se sabe se há um espaço real para o “xingamento consciente” ou a “liberação da raiva”.
Mas Istace já coleciona seguidores em todo o mundo, da Rússia à África do Sul. Por isso, acaba de lançar uma campanha de crowdfunding para poder publicar cursos online.
Enquanto isso, Headley lançou um aplicativo e um livro sobre o “método” F*ck That.
Apesar de não existirem estudos específicos sobre esse assunto, algumas pesquisas sugerem que a novidade pode, sim, trazer benefícios. Uma delas, realizada pelo psicólogo Richard Stephens, da Universidade Keele, na Grã-Bretanha, mostrou que xingamentos ajudam a disparar um mecanismo de resposta ao estresse.
“Há evidências que ligam o ato de xingar a diferentes áreas do cérebro que processam a linguagem”, afirma Stephens, que também é autor do livro Black Sheep: The Hidden Benefits of Being Bad (“Ovelha negra: os benefícios ocultos de ser mal-comportado”, em tradução literal).
Para ele, a ideia de combinar atividades de conscientização com palavrões é bastante criativa. “Xingar pode ter um efeito terapêutico se for realizado em um ambiente totalmente novo. Além disso, como em um ambiente de relaxamento não se espera esse tipo de linguajar, o susto de ouvir palavrões fora de contexto pode provocar risos, o que é muito positivo”, explica.
Imagem de capa: Shutterstock/SpeedKingz
ESTE É UM TEXTO ORIGINAL DE BBC
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