Por Jéssica Maes
A Islândia parece estar no caminho da erradicação da síndrome de Down. Em média, apenas um ou dois bebês que sofrem da doença nascem na nação de 330 mil habitantes a cada ano. A síndrome de Down é causada por uma divisão celular anormal envolvendo o cromossomo 21, resultando em material genético extra, o que, por sua vez, resulta em características e atrasos no desenvolvimento e problemas associados à condição genética.
Pesquisadores conseguem “desligar” cromossomo extra responsável pela síndrome de Down
As deficiências cognitivas resultantes da síndrome de Down podem variar de leve a grave, e anomalias físicas mortais também são frequentemente associadas à doença. Aproximadamente metade de todos aqueles que sofrem de síndrome de Down têm graves condições de saúde, incluindo defeitos cardíacos congênitos potencialmente mortais. A expectativa de vida daqueles atingidos pela síndrome é de aproximadamente 60 anos, e muitos necessitam de cuidados médicos especializados durante todo o período de vida.
Os testes médicos modernos e os procedimentos de triagem reduziram drasticamente o número de bebês nascidos com síndrome de Down em países desenvolvidos. A condição é muitas vezes aparente enquanto o feto está no útero, seja por ultra-som, teste genético ou uma combinação dos dois. Porém, nenhuma nação no planeta chegou tão perto de erradicar a síndrome de Down como a Islândia, mas o método usado para isso colocou muitos ativistas anti-aborto em pé de guerra.
Isso porque as mulheres na Islândia estão encerrando gravidezes com síndrome de Down a uma taxa de quase 100%. Os testes de triagem para a condição genética potencialmente devastadora são amplamente disponíveis desde o início dos anos 2000 e, embora completamente opcionais, o governo islandês exige que todas as mulheres grávidas sejam informadas de que os testes estão disponíveis. Aproximadamente 80 a 85% das mulheres na Islândia optam pelo teste genético que mostra a síndrome de Down, de acordo com a CBS News.
O teste é referido como o “Teste de Combinação”, e considera fatores como resultados de exames de sangue, idade da mulher grávida e imagens de ultra-som para determinar se um determinado feto possui ou não uma anormalidade cromossômica, como a síndrome de Down.
Embora a prática generalizada da Islândia de rastrear a síndrome de Down e terminar quase todas as gravidezes onde se descobre que a síndrome existe possa parecer difícil, não é uma coisa rara no mundo desenvolvido. Em 2015, 98% das gravidezes com síndrome de Down foram encerradas. Na França, essa taxa foi de 77%. Nos Estados Unidos, de 1995 a 2011, 67% das gravidezes com síndrome de Down foram encerradas.
A síndrome de Down geralmente não é descoberta até o final do segundo trimestre, o que pode representar um dilema legal e ético para algumas mulheres grávidas. No entanto, a Islândia permite o término das gravidezes após 16 semanas em casos de deformidade fetal, incluindo a síndrome de Down.
Apenas alguns bebês com síndrome de Down nascem durante um ano médio na Islândia e, em muitos desses casos, é porque os pais obtêm resultados de triagem genética incorreta.
De acordo com o geneticista Kari Stefansson, o fundador da deCODE Genetics, a síndrome de Down foi quase completamente erradicada na Islândia. Como sua empresa investigou genomas envolvendo quase toda a população da Islândia, ele é um especialista no assunto. E Stefansson acredita que o aconselhamento genético “pesado” feito no país é culpado pela taxa de término de gravidezes com síndrome de Down de quase 100%.
“Isso reflete um aconselhamento genético relativamente pesado. E eu não acho que um aconselhamento genético pesado seja desejável. Você está tendo impacto em decisões que não são médicas, de certa forma. Não creio que haja algo de errado em aspirar a ter filhos saudáveis, mas a medida em que devemos ir na busca desses objetivos é uma decisão bastante complicada”, pondera.
Hulda Hjartardottir é chefe da Unidade de Diagnóstico Prenatal do Hospital da Universidade de Landspitali. Aproximadamente 70% dos bebês na Islândia nascem dentro da instituição, e de acordo com Hjartardottir, é possível que simplesmente oferecer aconselhamento e testes genéticos a todas as mulheres grávidas levam elas a uma “direção certa”, acrescentando que há um esforço entre os profissionais médicos para permanecerem neutros no processo.
Quando as anormalidades genéticas, incluindo a síndrome de Down, são descobertas, Helga Sol Olafsdottir (também do Hospital da Universidade de Landspitali) ajuda a aconselhar as gestantes em meio à crise. Ela diz as que se sentem culpadas por sua decisão de encerrar a gravidez que “essa é a vida delas”. “Esta é a sua vida – você tem o direito de escolher como sua vida será”.
As mulheres na Islândia que optam por terminar a gravidez com um feto que possua síndrome de Down recebem um cartão de oração após o procedimento. A minúscula lembrança inclui a data do término e as pegadas do feto, uma prática que pode ser confusa para os ativistas anti-aborto em países como o Brasil, muitos dos quais consideram que terminar uma gravidez equivale a assassinato.
A atitude em relação ao aborto seletivo (ou qualquer aborto) é muito diferente na Islândia, afirma Olafsdottir. “Nós não olhamos para o aborto como um assassinato. Nós consideramos isso como uma coisa que acabamos. Terminamos uma vida possível que poderia ter tido uma enorme complicação, evitando o sofrimento para a criança e para a família. E acho que isso é mais justo do que ver como um assassinato – isso é muito preto e branco. A vida não é preta e branca. A vida é cinza”. [Inquistr]
Imagem de capa: Shutterstock/Tatiana Dyuvbanova
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