A desclassificação nas Olimpíadas de Londres em 2012, após dar um golpe ilegal na adversária húngara Hedvig Karakas, nas oitavas de final da categoria peso-leve, foi o pior ippon levado por Rafaela Silva em toda a sua vida. Abalada pelas críticas, a judoca achava que não tinha a motivação necessária para continuar e admitiu que pensou em desistir da carreira. Mas como diz o ditado: “há males que vêm para o bem”, a carioca encarou o adversário invisível de frente e acabou vencendo a sua maior “luta” em 21 anos. O drama se tornou um grande aprendizado.
O motivo para esta reviravolta foi encontrado na psicologia. Forte fisicamente e preparada tecnicamente, Rafaela precisava “treinar” seu mental. Buscando refúgio no Instituto Reação, criado pelo medalhista olímpico, Flávio Canto, a judoca conheceu a pessoa que iria mudar seu futuro: Alessandra Salgado.
Sentada no divã quatro vezes por semana, a menina botou para fora tudo que a incomodava e recebeu da psicóloga o apoio necessário para não largar o esporte. A admiração foi tanta pelo trabalho de Alessandra que Rafaela Silva rasgou o script da maioria dos atletas e escolheu entrar para a faculdade de psicologia do que a tradicional carreira de Educação Física. Caloura em uma universidade do Rio de Janeiro, a carioca da Cidade de Deus se dedica aos livros da mesma maneira que aos treinamentos.
– Minha vida começou a mudar depois dos Jogos Olímpicos porque era uma competição que eu nunca havia participado e isso mexe muito com a cabeça do atleta. Já havia participado de outras competições sênior, mas nunca uma Olimpíada. Quando eu cheguei das Olimpíadas, estava mal de cabeça e pensei em largar tudo, principalmente por causa das críticas. Fui me refugiar no Instituto Reação, onde treino. Eles contrataram uma psicóloga, que começou a dar palestras. Eu comecei a comparecer e gostei do trabalho dela. Escolhi estudar psicologia, pois posso ajudar os atletas que estão chegando, quando eu me formar – explicou Rafaela Silva, que só contou a novidade para a psicóloga após ingressar na faculdade.
Coincidência ou não, um ano depois da decepção, Rafaela alcançou o maior feito de uma judoca mulher do Brasil no esporte, quando, no Rio de Janeiro, ela conquistou a inédita medalha de ouro para o país, ao derrotar a americana Marti Malloy, por ippon, na categoria leve até 57 kg.
– Foi fundamental o trabalho dela (Alessandra Salgado), pois você pode estar bem fisicamente e tecnicamente, mas se não tiver bem psicologicamente, não vai conquistar nada – afirmou.
E a campeã vai curtindo esta nova fase da vida. Tendo que comparecer às aulas como qualquer estudante, mesmo com a agenda apertada entre treinos, viagens e competições, Rafaela vai fazendo novos amigos, conhecendo novos ambientes e ouvindo piadas, quando precisa estar ausente por algum motivo profissional.
– Minhas amigas sempre brincam quando tem trabalho de grupo: “olha, a Rafaela vai bater na gente, então, vamos colocar o nome dela”. Mas, por enquanto, estou conseguindo conciliar a faculdade com o judô. Só agora, no final do ano, que eu fui para o Japão e perdi algumas provas. Mas fui lá conversar com meu coordenador e vou poder fazê-las em janeiro. Pego as matérias que perco com os alunos da sala. É sempre legal quando saio com o pessoal da faculdade, pois começamos a conversar sobre um assunto e sempre terminamos em judô. Tenho novos amigos, que são de fora do judô, e é sempre bom aprender coisas que são de fora do tatame – completou.
O bom ano de 2013 fez com que a judoca fosse indicada como um das três finalistas ao prêmio de melhor atleta do ano, que acabou com a maratonista aquática, Poliana Okimoto, em cerimônia no último mês de dezembro, em São Paulo.
TEXTO ORIGINAL DE GLOBO ESPORTE
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