Eu cresci numa casa com um quintal imenso, onde havia cães, passarinhos e até porquinho-da-índia. Meu pai tinha gaiolas por todos os cômodos, inclusive uma delas ficava no banheiro – lembro-me de minha mãe reclamando dos alpistes pelo chão. Tivemos papagaios também. Aprendi, assim, a amar os animais, com uma intensidade tamanha, que não consigo ficar sem eles em minha vida.
O amor aos gatos chegou mais tarde, depois dos quarenta, quando uma gatinha apareceu, não sei como, no meu quintal, numa noite fria, miando feito doida. Ela entrou na minha casa, na minha vida e no meu coração. Hoje, também sou apaixonado pelos felinos, esses seres mágicos que nos ensinam a amar sem dominar. Sim, cães são obedientes e não guardam rancor algum, por isso é tão simples amá-los. Já os gatos necessitam de um amor mais elaborado, conquistado, construído.
Por tudo isso, amo os bichos e não suporto vê-los sofrendo. Com o advento da internet, os maus tratos aos animais são denunciados e amplamente divulgados, o que me deixa ainda mais revoltado com a forma como muitos judiam desses seres tão inocentes. Fiz questão de adotar minha gatinha Lady e não pretendo mais gastar dinheiro comprando animais, porque adotar é salvar. E salvar-se. Mas isso é uma posição minha e não vou levantar essa bandeira. Só escrevo para tentar mostrar que o amor aos animais acaba nos deixando vigilantes.
Na verdade, qualquer amor é vigília, porque a gente vai cuidando do que é da nossa vida, tentando proteger e fazer durar. E, com isso, o nosso amor se espalha e conseguimos estender nossos sentimentos também àqueles não vivem conosco. O amor verdadeiro faz isso: a gente se torna mais empático e consegue olhar o mundo além do nosso umbigo. Quem tem filho, por exemplo, é capaz de se colocar no lugar do outro com menos julgamentos. Quem tem animais é do mesmo tanto em relação a eles.
O que me causa espanto, nesse contexto, são comparações e analogias, com teor de revolta e desprezo, em que se questionam os protetores de animais, como se eles se esquecessem das causas humanas, como se eles devessem se importar com as vidas das pessoas, em vez de cuidarem de animais. Isso é falta de respeito com o trabalho do outro, é falta de empatia e de um mínimo de razoabilidade. Quem disse que os protetores de animais desprezam ou ignoram as dores da humanidade? Por que gostar de animais implicaria não gostar de gente? O trabalho dessas pessoas é tão lindo e necessário quanto os trabalhos humanitários. Não consigo comparar dessa forma.
É perfeitamente possível lutar pela causa animal e também pela causa humana – uma luta não exclui a outra, mas se complementam. Quem tem compaixão pelos animais certamente se solidariza com os seres humanos, porque tem amor transbordando dentro de si. No entanto, quem destrata os animais dificilmente será capaz de ser solidário com qualquer ser humano, pois não enxerga a dor de ninguém, não enxerga nada além de si mesmo.
Amo animais e amo pessoas. Tudo é vida, tudo é divino e deve ser respeitado. E fim.
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Publicado originalmente em Prof Marcel Camargo