Por Raquel Baldo
Estudo e atuo com lutos e perdas há muito tempo e faço questão, em todas vezes que este assunto me surge, de dizer o quanto é um processo tão único e particular para cada pessoa enlutada e também para cada perda que essa pessoa irá vivenciar. O processo de luto é sempre delicado e não importa quantos lutos já passamos em nossas vidas, pois para cada perda um luto novo irá surgir. Assim, não há uma forma certa e única de passar por isso, então tomem cuidado e não se prendam a essas dicas generalizadas, pois desconsideram a intimidade de cada sentimento e de cada relação.
O luto é a fase que vivenciamos e sentimos a perda de alguém ou de algo que tinha e ainda tem uma representação muito importante e significativa para nós. Nossos pensamentos e emoções ficam tentando assimilar as memórias vividas e sentidas, com a falta e a perda que agora é fato e essa experiência pode ser muito sofrida.
A ideia de perder a concretude daquela existência, ou seja, aquilo que se possa tocar, sentir e cheirar, pode ser muito dolorido para muitas pessoas enlutadas. E por mais que se saiba e já compreenda a aquela morte e que a pessoa não está mais presente no dia a dia da vida, isso não significa que seja fácil aceitar o fato e o processo.
Objetos, roupas, casa, carro são fortes representantes do concreto que aquela pessoa deixou, significam que aquela pessoa realmente viveu, sentiu e marcou de alguma forma a vida deixando seus pertences, seu cheiro, sons, imagens aquilo que tornava única ficou à mostra lembrando aquela vida.
No geral lidar com esse momento é sempre delicado e é comum muito choro, dor, saudade e muita resistência para considerar o remanejamento destes objetos, (sendo guardar em outro local, doar, vender ou jogar fora), pois eles representam uma fantasia de sentir e lembrar aquele que já morreu com sensações mais concretas além da memória.
Não existe melhor época para lidar, lembrem que todo processo de luto merece muito respeito a particularidade e quanto menos sofrer interferência do meio dizendo quando e como fazer, melhor para vivenciar o próprio luto. Tudo vai depender do que esses objetos podem ou não estar causando na vida de quem ficou.
Lidando com tantas pessoas enlutadas e há tantos anos, já ouvi e observei os mais diferentes jeitos e tempos. Houve quem no dia seguinte ou em uma semana no máximo optou e já precisou remanejar os pertences deixados pela pessoa que morreu, assim como houve quem levou meses ou anos para poder pensar, sentir e então fazer.
E então me perguntam: “Mas não é ruim quem fica meses ou anos com os objetos intactos, um quarto ou casa montada, um carro na garagem?”. Não necessariamente. Tudo vai depender dos sentimentos, impacto e ritmo e jeito de vida que a pessoa em luto possui.
O fato de alguém guardar tanto tempo um quarto montado não significa, jamais, que esta pessoa sofre mais que aquela ou que esteja muito mal, do que aquela que em poucos dias remanejou todos os objetos. Na verdade, poderia até dizer que o contrário, que a pessoa que leva tempo para remanejar os objetos de quem morreu, suporta mais passar pelo luto e tende a superar em algum momento de forma saudável, com mais possibilidades que aquela que pouco fala e não suportou olhar e sentir os cheiros dos objetos.
Isso pode levar à pergunta: “Então qual o tempo ideal para manter os objetos?”. Não há calendário para lidar com luto e nem com dor alguma. O que podemos observar e então verificar se o luto está sendo prejudicial é o impacto e impedimento na vida de quem fica e não o tempo em si.
Não há problema algum em manter algum ou alguns objetos como recordações afetivas e para sempre, eles têm a mesma função que as fotos em nossas vidas. Mas é importante sim que em algum momento aquela estrutura de quarto, casa, garagem, armários sejam liberadas para que o fim concreto seja firmado.
É preciso deixar ir aquilo que não será mais usado como antes, não para substituir por outra pessoa ou outros pertences, isso não acontece. Mas para liberar espaço para continuar vivendo e preenchendo a vida com vida.
E o luto só termina quando voltamos a descobrir que apesar das lembranças e memórias, apesar da saudade e falta, nós vivemos a vida com a construção do novo.
Seguir em frente e liberar espaço na vida para continuar escrevendo sua história é também uma grande prova de amor e de sentimentos, pois aprendemos que podemos levar quem amamos conosco em nossas lembranças e esse amor maduro é o amor mais valioso e que mais nos mantém conectados.
Imagem de capa: Shutterstock/Kichigin
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