Será que estamos vivendo um momento de luto nas relações? Estamos deixando para trás as pessoas que nos eram preciosas no dia a dia pela forma com que preenchiam nossas vidas? No aperto de mão caloroso, no olhar solicito e sincero. E quando esta loucura geral detonada pelo coronavirus passar. Eu e você ficaremos bem? Estas fases do enlutamento terminarão? A separação social que estamos experimentando, similar ao luto, o impacto ou choque início do luto. Nessa fase as pessoas simplesmente não acreditam, pode ser uma explicação para os milhares de portugueses na praia sem alterarem seus hábitos, é difícil ter consciência da perda de liberdade e ver a nova situação.

Não podemos dimensionar os danos que esta época de histeria coletiva, nos deixará, mas para tirarmos algum proveito nisso tudo, se é que isto seja possível. Alguma reflexão é necessária por questão de preservação da saúde mental, consequências psicológicas desta onda de terror a qual estamos sendo submetidos, em razão do contagio grave trazido pelo coronavírus. Vários são os aspectos, que poderíamos analisar, mas o que mais chama atenção é o ensejo para os relacionamentos frios, distantes e com gosto amargo. Cujo espiral da distância emocional será a tão temida desconexão física. Saber olhar com carinho e desejo talvez precisem ser reaprendidos. Onde a desconfiança não seja a tônica. Ou simplesmente sair sem dar uma explicação. Há também aqueles que permanecem no uso de falsas desculpas, escondendo de si mesmos suas incoerências, se recusam a assumir o vazio do vínculo, quer seja no frio das relações sociais ou da relação de casal ou de amizade superficial.

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman autor de “Vida a crédito” escancara cada vez mais claramente seu diagnóstico preciso e límpido sobre nossos males na atual conjuntura social. De forma relativamente simples esmiúça com imensa propriedade aspectos diversos da “modernidade líquida”. É assim que ele se refere ao momento da História em que vivemos, os tempos são “líquidos” porque tudo muda tão rapidamente, que nos dá a sensação de que nada é feito para durar, para ser “sólido”. Lembrando este distanciamento emocional suscitado pela epidemia trazido pelo coronavírus. Em especial, a paranoia com segurança e a já existente instabilidade dos relacionamentos inclusive os amorosos. É um mundo de incertezas.

Não falamos somente em crise trazida pelo coronavírus, mas a atual crise financeira, somado a isto, teria potencial para mudar a forma como vivemos a longo prazo? As reações às crises não foram e poderão não ser animadoras. Isto significa dizer, que precisamos estar conscientes para que preservemos nossa saúde mental, em especial a emocional. Onde mais do que nunca os contatos off-line terão vantagem sobre os online, pois que ainda menos arriscados.

O problema é que o atrofiamento das habilidades como a confiança, poderão deixar suas marcas. Uma geração marcada pelo esquema mental de desconfiança. Relações cujos encantos de uma conversa fácil e despojada talvez nunca aconteçam, a menos que as pratiquem. O problema é que o incentivo seja ter medo e desconfiança, assim quanto mais buscar fugir dos inconvenientes da vida, maior será a tendência a se desconectar, como diria Zygmunt Bauman. Na esteira das reflexões propostas pelo sociólogo mencionado, esta doideira generalizada pode além de ser fabricante de adoecimento mental, trazer à tona inseguranças psíquicas pré-existentes, tornando-as ainda mais dolorosas e vulneráveis.

Viver sob a égide da incerteza, a intolerância ao desconforto, o clima de insegurança generalizados evocam o medo, e a sensação da incerteza traz uma profunda preocupação. Encontrar alívio rápido em remédios controlados, comprados facilmente através de receitas médicas. Assim, uma vida regulada por mercados consumidores, para cada problema, uma solução. Não significa dizer que em alguns casos não seja o mais indicado. Contudo, esconder-se, isolar-se, ter medo das pessoas, levando uma mensagem aos mais jovens e vulneráveis às impressões psíquicas a acreditar que fugir dos problemas seja a solução. Lembrando que há uma indústria malvada que ensina os menos avisados de que a solução possa ser comprada nas lojas. Onde a tarefa do doente não está em usar sua habilidade para superar suas dificuldades, mas para encontrar a loja certa que venda o produto certo que irá superar a dificuldade em seu lugar.

Aumento no número de pessoas sofrendo de ansiedade, tempos de intolerância às incertezas, alguém lucra. Talvez uma fonte inesgotável de lucros comerciais. Por essa razão, o prognóstico triste que se desprende seja, que essa nossa intolerância se agrave ainda mais.

Os relacionamentos, assim como os ossos, se partem. Os cumprimentos a distância, pesarosos e assustados precedidos por um distanciamento sutil e progressivo. A falta de cumplicidade, dos olhares meigos e demorados, que não se cruzam mais e os risos que já não compartilham das mesmas graças, coisas triviais que permeiam relacionamentos saudáveis.

A distância emocional causada pela ausência de cumprimentos calorosos, e facilmente explicáveis em tempos de crise, rasga o véu das vidas mal vividas, dos relacionamentos superficiais, causando dor em quem continua acreditando nele. No entanto, ainda que seja por conta de um momento de pandemia mundial. Onde pessoas trabalham em casa, protegidas, porém solitárias, enfrentando o isolamento, as vezes desejado, outras, impostos.

“Sinto-me tão isolado que posso sentir a distância entre mim e a minha presença”.
-Fernando Pessoa-

Ficamos na torcida de que não seja um sentimento que perdure e que possam não aprender a se esconderem de si mesmas. Que a resolução adequada sempre facilita o progresso em direção a essa nova etapa, que possa vir com mais qualidade e mais consciência. Caso contrário, termos passado por experiências dolorosas, sem nenhuma resposta e completamente vazias de humanidade. Onde fomos forçados a enfrentar o ghosting (ser abandono abrupto e sem explicação emocional ), o mais doloroso a ser superado essa experiência.

Photo by Danielle Dolson on Unsplash

Por: Laila Wahab
Advogada e psicóloga especialista em
Psicologias cognitivas

 

Laila Ali Wahab Morais

Advogada, psicóloga clínica e escolar

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Laila Ali Wahab Morais
Tags: coronavírus

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