Por Deise Azevedo
Sou uma psicoterapeuta que não se prende a ler somente uma abordagem da psicologia. Sou especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental mas gosto de ler psicanálise, gestalt, logoterapia, comportamental, enfim…!
Ao ler “Sobre a transitoriedade”, de Freud (1915-1916), deparei-me com um assunto muito pertinente aos dias atuais – nos quais muitas pessoas não valorizam a beleza pelo desânimo de pensar que “tudo é passageiro” (ou acreditam que uma mãe que perdeu bebê não pode chorar porque “nem ficou tanto tempo junto) e, outras ainda, preferem negar a transitoriedade “desse mundo material”!
Bom, vou contar a você o que li!
Em um belo dia de verão, Freud caminhava com um jovem poeta famoso e um amigo “meio calado”, “meio tristonho”. O poeta admirava a beleza do cenário por onde passavam, mas não conseguia se alegrar com isso. Ele pensava no fato de que toda aquela beleza iria se acabar quando sobreviesse o inverno, assim como se acaba toda a beleza e criação humana. Para o jovem poeta, tudo aquilo que, em algum momento ele teria amado e admirado, parecia-lhe despojado de seu valor por estar fadado à transitoriedade.
Tudo é passageiro…
Quando nos damos conta de que tudo o que é belo e perfeito tem um fim, podemos ter dois impulsos diferentes na mente:
– sentimos um desalento, assim como o jovem poeta;
– ou acreditamos que é impossível que toda a beleza da natureza e da arte, do mundo de nossas sensações e do mundo externo, realmente venha a se desfazer em nada. Acreditamos que de alguma forma essa beleza deve ser capaz de persistir, de continuar.
Freud preferiu não discutir sobre a transitoriedade com o jovem poeta, mas se focou em discutir o ponto de vista pessimista do poeta de que a transitoriedade do que é belo implica uma perda de seu valor. Pelo contrário, implica um aumento do valor! O valor da transitoriedade é o valor da escassez no tempo.
Quanto mais temos limitação da possibilidade de desfrutar de um bem, mais elevado é o prazer “desse desfrutar”. A transitoriedade da beleza jamais interfere na alegria que dela derivamos.
Toda vez que a beleza da natureza é destruída pelo inverno, se refaz no ano seguinte, de modo que, em relação à duração de nossas vidas, ela pode, de fato, ser considerada eterna. A beleza da forma e da face humana desaparece para sempre no decorrer de nossas próprias vidas; sua evanescência, porém, apenas lhes empresta renovado encanto. Por que a beleza e a perfeição de uma obra de arte ou de uma realização intelectual deveriam perder seu valor devido à sua limitação temporal?
Talvez chegue o dia em que os quadros e estátuas que hoje admiramos venham a ficar reduzidos a pó, ou que nos possa suceder uma raça de homens que venha a não mais compreender as obras de nossos poetas e pensadores. Porém, o valor de toda essa beleza e perfeição é determinado somente pela significação que damos no presente – não sendo necessário que sobreviva a nós.
Ao expor essas considerações ao poeta e ao seu amigo, Freud percebeu que não causou uma impressão diferente neles – eles não conseguiram pensar diferente. Então, Freud inferiu que atrapalhava o discernimento daqueles homens e os impedia de desfrutar a beleza poderia se o fato de que eles tinham uma revolta em suas mentes contra o luto.
A ideia de que toda a beleza que contemplavam era transitória comunicou a eles uma antecipação de luto pela morte dessa mesma beleza.
A conversa de Freud com o poeta ocorreu no verão antes da guerra. Um ano depois, irrompeu o conflito que lhe subtraiu o mundo de suas belezas. Não só destruiu a beleza dos campos que atravessava e as obras de arte que encontrava em seu caminho, como também destroçou o orgulho dos sobreviventes pelas realizações de sua civilização, a admiração por numerosos filósofos e artistas, e suas esperanças quanto a um triunfo final sobre as divergências entre as nações e as raças. Denegriu a elevada imparcialidade da ciência, revelou os instintos humanos em toda a sua nudez e soltou de dentro de cada um os sentimentos que julgavam terem sido domados para sempre, por séculos de ininterrupta educação pelas mais nobres mentes. Amesquinhou mais uma vez o país e tornou o resto do mundo bastante remoto. Roubou-lhes do muito que amavam e mostrou-lhes quão efêmeras eram inúmeras coisas que consideravam imutáveis.
Será que os bens que o povo perdeu na guerra, realmente deixaram de ter qualquer valor por se revelarem tão perecíveis e tão sem resistência? Isso parece ser uma crença de muitas pessoas.
E as pessoas que pensam assim, que parecem prontos a aceitar uma renúncia permanente porque o que era precioso revelou não ser duradouro, encontram-se simplesmente num estado de luto pelo que se perdeu.
Freud conclui:
“O luto, por mais doloroso que possa ser, chega a um fim espontâneo” […] “E quando o luto termina, verificamos que o alto conceito em que tínhamos as riquezas da civilização nada perdeu com a descoberta de sua fragilidade. Reconstruiremos tudo o que a guerra destruiu, e talvez em terreno mais firme e de forma mais duradoura do que antes”.
Referência:
Freud, S. Sobre a Transitoriedade (1915-1916) In: Edição Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1997.
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