Por Cris M. Zanferrari

Para a Helena

Faz pouco que descobri: toda mãe é um pouco o Rivotril de seus filhos. Rivotril, pra quem não conhece, é um ansiolítico que figura como __pasmem!__ o segundo medicamento mais vendido no país, só perdendo para uma conhecida marca de anticoncepcional. Tem efeito rápido, quase instantâneo, contra a ansiedade. Assim como ouvir a voz tranquilizadora da sua mãe.

Na verdade, enquanto os dias correm tranquilos, sem maiores sobressaltos, a gente nem lembra que tem mãe. Basta saber que ela está lá, de sobreaviso e prontidão como o salvavidas na guarita da praia. Como o remédio jogado no fundo da bolsa. Em caso de necessidade, uma chamada ou um comprimido resolvem. Ambos estão ao alcance da mão.

A diferença essencial é que mãe, além de acalmar, ainda dá colo e perspectivas. Mãe sabe onde dói, sabe por que dói, tem o dom de farejar algumas dores futuras e, por isso, sempre prescreve conselhos. Só o que mãe não sabe é que muitas vezes, pela ânsia de preservar o filho de tanta dor, ela o impede de crescer. Sim, porque crescer é dolorido, às vezes até fisicamente. Basta lembrar do incômodo que é para o bebê o nascer dos dentes. Ou ouvir falar da dor nas pernas das crianças de oito anos. Ou ainda recordar as dores mamárias das meninas na puberdade. Pois que sejam as dores de ordem física ou emocional, a única certeza na vida é a de que “viver dói até o fim.” E também por isso a única coisa que uma mãe pode fazer, às vezes, é deixar doer.

Dei-me conta dessa dolorosa verdade quando, certa feita, no meio de uma dessas ligações que filhos fazem quando a água está a lhes alcançar o pescoço, ou seja, quando estão por alguma razão qualquer se sentindo sufocados, minha filha me disse alguma coisa como “te liguei pra você se solidarizar comigo, não para me afligir ainda mais.” Naquele momento, me senti impotente, incapaz, mais ineficaz do que um Rivotril com data de validade vencida. Custou-me tempo, introspecção e alguma dor até compreender que também eu tive de ouvir palavras duras e ásperas para poder crescer. Também eu tive de aprender a ler silêncios, a recolher angústias e medos do chão da sala, e a reconhecer que cada um deve cavalgar a sua própria dor.

Além disso, há uma outra boa razão para se permitir que a dor cumpra seu papel também na vida dos filhos. É que as relações, assim como o Rivotril, também podem causar dependência. Quando nos fazemos excessivamente presentes acabamos por adentrar um território que não mais nos pertence, e tolhemos o bonito processo que é a individuação. Individuar-se é caminho que se percorre a sós, afrouxando laços, soltando gradualmente as amarras que nos prendem ao ninho. Quando aconselhamos demais, vigilamos demais, zelamos demais é como se não confiássemos a tarefa de viver à própria vida. Sim, é custoso e às vezes nos dói, mas é preciso deixá-los domar suas próprias feras, encarar seus temores, recolher sonhos espatifados contra o chão do quarto. Aliás, é preciso deixá-los sair do quarto, ganhar a casa, ganhar a rua, ganhar o mundo. Sim, é custoso e às vezes nos dói, mas encorajar a independência _a deles próprios e a deles para conosco_ é um gesto de confiança e coragem que a própria vida nos cobra e requer.

E por falar em cobrança, também eu, euzinha mesmo, reivindico às vezes uma dose ou outra do meu Rivotril que, por essa altura, está curtindo um merecido descanso numa praia distante. Mas ela sabe, eu sei, minhas filhas sabem que a uma simples ligação a distância se desfaz, o aconchego se refaz, o coração torna a ficar em paz. Da mesma forma sabemos, havemos de saber todos nós, que tudo é uma simples questão de se encontrar a justa e certa medida. Vale para o remédio. Vale para a vida.

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