Era domingo de manhã, eu tinha uma reunião importante no escritório na segunda-feira, e minhas unhas estavam um lixo. Eu não havia conseguido tempo para ir à manicure desde a semana anterior, enrolada entre trabalho, e vida de mãe/esposa/dona de casa. No sábado, preferi passar o dia me divertindo com o meu filhote e o maridão.
Arrisquei, então, telefonar para o salão no domingo mesmo, quem sabe estaria aberto… Para minha surpresa, atenderam! Marquei um horário com minha manicure de sempre. Chegando lá, perguntei a ela:
– O salão fecha amanhã (segunda-feira)?
– Não, abre todos os dias.
– E que dia você tira folga?
– Nenhum. Trabalho todos os dias.
– Mas você não tem uma filhinha de 2 aninhos? Você nunca fica com ela?
– Não, ela fica com minha mãe enquanto trabalho.
– Você está endividada?
– Nada, moro com minha mãe, mas quando saio para o serviço, e quando chego, minha bebê está dormindo.
– Você está juntando dinheiro para comprar carro ou a casa própria? (insisto, tentando decifrá-la, com a esperança de não ouvir o que vinha a seguir…)
– Não… É que prefiro mesmo trabalhar do que ficar com a minha filha, não levo muito jeito com criança e não tenho muita paciência.
Choquei. Nem sei que cara eu fiz, tentando disfarçar o quão desconsertada fiquei. Não sei bem explicar se o que me chocou mais foi a sinceridade da moça ou o fato de ela realmente não querer ficar com a filha, seja por amor, por culpa ou por responsabilidade/consciência da importância que a presença dela tem para a vida da criança.
Tentei ser generosa com a manicure e justificar tudo isso pela sua idade/imaturidade. Afinal, ela tem apenas 21 anos, não deve ter planejado a gravidez e nem viveu plenamente toda a sua juventude…
Ok, ela nem é tão novinha. Mas, ainda assim, em vez de julgá-la, parei para refletir e me dei conta que, quer saber, ela não é a única. Lembrei de uma colega de trabalho, muito menos sincera (ou menos sem noção) do que minha manicure, que vive se sentindo culpada durante a semana porque passa pouco tempo com a filha de 3 anos, mas todo sábado à tarde ela começa a disparar mensagens desesperadas reclamando: “minha filha tá impossível hoje, vou surtar, o que você está fazendo? Vamos combinar algo? Não aguento mais ficar sozinha com ela!”.
Claramente, minha colega não suporta ficar nem meio período do dia com a filha – apesar de dizer morrer de saudade ao longo da semana.
Diversas outras mães sentem o mesmo. Uma amiga psicóloga que faz estágio em clínica que presta atendimento gratuito para famílias humildes me contou que um problema comum por lá são mães que recorrem à ajuda profissional para se tratar porque estão com uma vontade incontrolável de abandonar o filho e até mesmo com pensamentos recorrentes de planejar o assassinato deles.
Estes podem ser casos mais graves, claro. Mas não duvido que haja diversas mães comuns por aí que preferem trabalhar ou fazer qualquer outra coisa para fugir dos pequenos. Afinal, vamos combinar que cuidar de uma criança não é nada fácil. É um dia inteiro de trabalho, requer um estoque bem grande de energia para brincar, muita criatividade para tornar todos os momentos lúdicos, jogo de cintura para lidar com imprevistos constantes, bom humor e conhecimentos de psicologia para saber lidar com as birras. Enfim, cansa. É estressante.
Às vezes, muito mais estressante do que um longo dia de 12 horas em frente ao computador, escalonado por reuniões, telefonemas incessantes e pressão para entregar um documento no prazo.
Não estou defendendo mães que não assumem sua responsabilidade, estou apenas tentando desmistificar a aura de “santidade” e o romantismo que existe em torno da maternidade. Talvez resida aí — nessa visão distorcida do que é a maternidade — a origem do problema.
Ainda há uma pressão social e cultural – atualmente implícita – de que toda mulher de verdade deve querer ser mãe um dia. E a verdade é que nem todas se identificam com a função. E aí sempre tem aquela desavisada que ama seu estilo de vida solteira/alta executiva/baladeira, mas resolve entrar para o irreversível mundo da maternidade. E verifica que não é para qualquer um. MESMO.
Mas, peraí, o amor materno não é incondicional? Uma vez que o bebê nasce, as mulheres não ficam perdidamente apaixonadas por ele? Há 30 anos já foi provado que isso é mito (vide o livro O mito do amor materno, de Elizabeth Badinter, publicado em 1985).
A mais pura verdade, e nisso não há controvérsias, é o amor incondicional que um bebê sente pela mãe (se preferir, pode chamar de necessidade incondicional). O contrário nem sempre é verdadeiro.
O filme Que horas ela volta?, de Anna Muylaert, em cartaz nos cinemas, tem esse título justamente porque apresenta filhos eterna e ansiosamente à espera de suas mães. Crianças pobres e ricas que estão sempre aos cuidados de uma terceira pessoa que não quem as pariu. Enquanto essas mães ausentes tocam suas vidas — com mais ou menos tranquilidade –, os filhos vão cultivando seus irreversíveis traumas e buracos na alma.
Esse cenário não é característico apenas da vida moderna, nem do Brasil. Mães abastadas sempre tiveram amas de leite para amamentar seus próprios rebentos. E, por mais que não trabalhassem em séculos passados, tinham escravas (ou babás, dependendo do país) que tomavam contas de seus filhos. Já as mães pobres, bem, essas sempre tiveram de trabalhar e largar seu filho com… qualquer um!
O que é, sim, característico da atualidade, é a culpa materna. A cobrança que as mães se fazem de amamentar seus bebês pelo menos durante seus seis primeiros meses de vida, e de acompanhar pessoalmente seu desenvolvimento durante a infância, surgiu com a difusão da Psicologia, que divulgou a importância do amor materno para a criação de crianças minimamente saudáveis.
TEXTO ORIGINAL DE BRASIL POST
Uma pequena joia do cinema que encanta os olhos e aquece os corações.
Uma história emocionante sobre família, sobrevivência e os laços inesperados que podem transformar vidas.
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