A anamnese, conversa inicial com o paciente, está em desuso, mesmo permitindo até 90% dos diagnósticos. No meu tempo, os exames eram para confirmação. Durante minha formação, tive o privilégio de conviver com Danilo Perestrello, autor de “A Medicina da Pessoa” (Atheneu). Vinham ao consultório não só pessoas doentes, mas pessoas que se sentiam doentes. Um dia, em conversa com meu pai, cardiologista cujos passos segui, comentei que metade dos meus atendimentos eram de pessoas sem doença física. Ele retrucou: “Só metade? Você deve estar adoecendo alguns”.
Em inúmeros casos, a simples conversa resolvia a “doença”. Muitos saíam da consulta sem solicitação de exames ou receitas. Em nova consulta, estavam totalmente “curados”. Na medicina atual, aos poucos a pessoa foi reduzida à condição de doente. Não mais interessava sua vida, história, personalidade ou situação psicológica e social, apenas os sintomas no momento da consulta. A anamnese, entrevista inicial com o paciente, passou a se limitar aos dados da doença apresentada.
A alteração biológica passa a ser tudo. Na medicina atual, não se leva em conta características específicas de cada paciente, que podem determinar se o tratamento indicado deve ser administrado. Um exemplo gritante é aplicação de cirurgias ou tratamentos agressivos, tantas vezes extremamente dispendiosos, a idosos que provavelmente faleceriam de outras causas antes que a doença em questão levasse ao óbito.
Médicos se sentem oprimidos em relação ao tempo que podem dispensar a uma consulta e perderam o espírito crítico em relação ao valor da anamnese -que, segundo Howard Barrows, da Universidade de Southern Illinois, dá ao bom médico 90% de chance de diagnóstico certo. Deixamos de lado os princípios médicos para atender volume. Recém-formado, fui colocado em um ambulatório com uma lista de 40 pacientes para serem atendidos em quatro horas.
Atendi como deveria e, ao final do meu tempo, havia atendido por volta de 15. No dia seguinte, fui chamado à diretoria do hospital, que questionava minha conduta. Médicos não têm de atender filas, têm de atender pacientes.
Na nossa época de estudantes, aprendíamos que exames serviam para confirmar ou não o diagnóstico e quantificar alguns parâmetros. Hoje, isso foi esquecido. Além disso, médicos se fiam em laudos de colegas que não conhecem, sem avaliar o grau de sua capacidade médica. Com esse reducionismo, o médico é cada vez mais dispensável, podendo ser substituído por computadores.
Depoimento de Luiz Roberto Londres, 71, médico e mestre em filosofia pela PUC-RJ, é presidente da Clínica São Vicente, no Rio de Janeiro
Texto original de JAlternativo
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