A alfabetização é uma parte de fundamental importância na formação de uma pessoa, e a maioria de nós passou por este processo ainda na infância. Mas não há como ignorar o fato de que muitos brasileiros ainda hoje chegam à vida adulta sem conseguir sequer assinar o próprio nome. O analfabetismo automaticamente empurra as pessoas para uma situação de vulnerabilidade social, afinal, sem saber ler e escrever fica muito mais difícil conseguir um bom emprego e ascender socialmente. E era exatamente nesta situação em que se encontrava Sandra Maria de Andrade, de 42 anos. Até que ela passou a receber aulas de um professor muito especial, seu filho Damião, de 11 anos.
“Mãe, mãe, quer ler comigo? É uma historinha. E tem figuras”, sussurou Damião, o mais novo dos sete filhos de Sandra, em um momento em que ela estava “desmaiada” em uma rede após horas garimpando lixo na rua para vender. Foi assim, aceitando o convite do garoto, que Sandra começou a decifrar as letras do alfabeto e a despertar para o mundo da leitura.
À BBC Brasil, Sandra contou que antes de aprender a ler e escrever, “espiava” quem visse lendo um livro e pensava “ah, se eu soubesse também. Se tivesse uma coisa que eu pudesse roubar, queria que fosse um pouquinho daquela leitura”.
Sandra tentou estudar, mas não pôde. Foi forçada a trabalhar desde cedo. Abandonada pela mãe aos três anos, diz que a avó, com quem passou a morar, lhe entregou a um casal que a impediu de ir à escola. Ela teve de trabalhar na lavoura, em casas de farinha (locais em que mandioca é ralada ou triturada) e fazendo faxina.
Transmissão de conhecimento
Fruto de um segundo casamento e com aproximadamente três anos de idade, Damião, ouvindo a mãe mensurar o tamanho da vergonha por não saber ler e escrever, fez um pacto com ela naquele dia: “Eu vou aprender e, quando aprender, vou ensinar à senhora”.
O mais próximo que ela havia chegado da escola foi em uma turma de jovens e adultos em que aprendeu o “ABC”, mas que acabou abandonando por não parar de ter dúvidas e travar sempre que chegava no “e”, letra que traduz como “uma agonia de vida”. Ela ficava “apavorada” por não saber. “Sentia revolta”.
Damião desvendou o “e” para a mãe explicando que era o mesmo que um “i”, só que fechado e sem o ponto. O “h” virou uma cadeirinha” e o R o mesmo que um B, só que “aberto”. Ele começou a ensinar as letras do nome dele e as letras do nome dela. Até Sandra aprender a escrever.
“Quando eu aprendi, disse: vou fazer outra identidade que é pra quando chegar nos cantos eu dizer: eu sei fazer meu nome. Pra mim, já era tudo eu saber. Chegar lá, o povo dizer assine aqui e eu dizer: agora eu já sei, não sinto mais vergonha”.
Escrever o próprio nome foi uma conquista. A palavra “mãe” também. Em uma reunião da escola, “morreu de felicidade” ao assinar a primeira vez como responsável da criança. “Tinha que escrever o que eu era dele. Eu escrevi mãe, caprichado, bem grande.”
Damião, devotado à mãe, quer ir além. “Eu quero ver ela aprendendo comigo. Quero que aprenda as palavras que ela sente aqui dentro. Ela gosta de falar amor, paixão. Já sabe um monte de palavras. Ela sabe as mais simples”.
O mundo mágico dos livros
Mãe e filho leram, juntos, 107 livros em 2016, se considerados apenas os contabilizados na escola. A lista, porém, fica maior se incluir outros títulos que Sandra encontrou no lixo. O preferido dela, faz questão de dizer, “é Ninguém nasce genial”. “Escrevi meu nome nele. Porque ninguém nasce gênio. Porque eu achava que não precisava mais saber, achava que era tarde pra saber.”
Para Damião, outro livro foi mais impactante. Tratava da história de um anjo que vivia acorrentado e só conseguiu se libertar quando ensinou um ser humano a rezar e os dois viraram amigos.
“É tipo eu e minha mãe. Eu estou ensinando uma coisa a ela e ela me ensina outra. Eu era novinho, ela me cuidava, eu cuidava dela. Ela dava um abraço em mim eu dava dois. Foi assim que nós começamos a nos amar.”
O menino também leu sobre aventuras, amizade, paixão e amor ao próximo.
Nesses momentos, diz que “vai pra outro mundo”. Que fica com “uma imaginação infinita”.
“Eu quero que a leitura me leve pra qualquer canto”, diz. Neste ano, irá para o 6º ano na escola.
Na casa onde divide cada palavra que aprende com a mãe, a ajudou a escrever, na parede da frente, uma mensagem em letras verdes, maiúsculas: “CANTINHO DA FELICIDADE ONDE HÁ DEUS NADA FALTARÁ”.
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Destaques Psicologias do Brasil. Com informações de: BBC.
Imagem destacada: AGIL FOTOGRAFIA/BBC BRASIL