A pandemia da Covid 19 coloca o mundo de cabeça para baixo, colapsando sistemas econômicos e de saúde, expondo a nefasta desigualdade social que existe, desmascarando a verdadeira face de pessoas, de governos, de religiões. Nada mais será como antes, ninguém mais conseguirá se ver com os mesmos olhos.
Na ânsia por encontrar respostas e causas que deem alguma lógica a isso tudo, somam-se teorias conspiratórias, lendas urbanas, fantasmas do comunismo, supostos golpes políticos, entre outros palpites sem embasamento satisfatório. Quase ninguém, porém, atenta para a negligência humana em relação à natureza e às necessidades básicas dos cidadãos, que perdura há séculos.
Fomos nos distanciando, ao longo do tempo, da espiritualidade, da religiosidade, da valorização daquilo que nos compõe a essência e não se pode comprar. Fomos colocando, como centro de tudo, o consumo e a materialidade, regidos pelos ditames econômicos, mesmo que às custas de desigualdades cada vez mais acirradas.
Fomos nos distanciando da natureza e dos animais, em suas necessidades e exigências, enquanto nos contentávamos com jardins de inverno arquitetônicos e com animais de estimação. Fomos nos afastando do autoconhecimento, que precisa do olhar sobre o outro. Aliás, o outro passou a ser menos importante do que a satisfação de nossos próprios desejos, fechados que muitos estamos em nossa bolha de conforto.
Isso tudo vai deixando as pessoas insensíveis, frias, incapazes de serem atingidas pelas misérias de quem quer que seja. Empatia zero. Isso impede que o ser humano enxergue as terríveis consequências de seu descaso com o meio ambiente, com a fauna e com a flora. Impede, da mesma forma, que o ser humano perceba o quanto machuca as pessoas, o quanto suas atitudes podem ser nocivas ao todo – a alguns só interessa o eu mesmo.
Não é à toa, portanto, que muitos assistem às cenas dantescas dos estragos causados pela pandemia da Covid 19, no Brasil e no mundo, incapazes de se escandalizarem, mesmo com valas coletivas sendo abertas, caminhões com refrigeração estacionados às portas de hospitais e de cemitérios, filas de ambulâncias paradas nos hospitais à espera de leitos vagos. Em nome da manutenção da economia, que deveria ser bem melhor respaldada pelos governos, os quais mal direcionam verbas e mal cortam gastos supérfluos, cogita-se afrouxar o isolamento, mesmo quando esse procedimento já tenha se comprovado ineficaz e perigoso em contextos precedentes.
Quando se julga qual vida tem mais ou menos valor, é sinal de que a humanidade caminha mal. Nada será como antes. Quem não melhorar após tudo isso, não melhorará nunca mais. Muitos sobreviverão à Covid 19, mas permanecerão mortos por dentro. E o pior é que teste médico algum é capaz de diagnosticar isso.
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Texto publicado originalmente em Prof Marcel Camargo
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