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Mulher chefe de família

Segundo os dados do Censo de 2000 do IBGE, 25% das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres. A maior proporção é de mulheres com até quatro anos de escolaridade; o rendimento médio varia entre R$ 270,00 e R$ 590,00 mensais; do total das famílias chefiadas por mulheres, 91% vivem em áreas urbanas.

A cada ano, aumenta a proporção de mulheres chefiando famílias, e isso acontece em um grande número de países. Este fenômeno, em parte, deriva-se de uma escolha de não manter relacionamentos insatisfatórios, mesmo que isso implique em assumir o ônus total ou parcial do sustento; por outro lado, reflete a falta de compromisso comum entre os homens, que confundem o término do casamento com o término da responsabilidade parental de presença e de sustento financeiro para os filhos.

O que predomina na vida das mulheres que chefiam famílias é a sobrecarga derivada do acúmulo de funções. Ela é a provedora e a cuidadora principal ou exclusiva. Com aumento do estresse, crescem a irritabilidade, a impaciência e a intolerância: em estatísticas de instituições que trabalham com o problema da violência doméstica, as mães são as principais agressoras. A solidão e a falta de uma rede de apoio eficaz são fatores que têm um peso significativo.

O fenômeno do aumento do número de mulheres chefiando famílias aponta também para a questão da “face feminina da pobreza”: as empregadas domésticas ocupam a maior fatia do mercado de trabalho feminino no Brasil. Nas camadas populares encontram-se boa parte dos casos de mulheres que têm filhos com diferentes companheiros que não contribuem para o sustento dos mesmos, reforçando a cultura da falta de responsabilidade do homem pela paternidade e a ideia de que “os filhos são da mãe”. Como diz um ditado africano: “os homens vão, os filhos ficam”.

Por outro lado, muitos homens se queixam de que as mulheres se apossam dos filhos, não compartilhando com eles a função parental, especialmente após a separação: é a síndrome da alienação parental. Isto tem reflexos no Judiciário, onde ainda se encontra, em alguns setores, muita resistência ao estabelecimento da guarda compartilhada. A falta de infraestrutura de apoio, e a rede institucional deficiente (creches, escolas em horário integral, onde as crianças possam fazer atividades complementares) contribuem para as dificuldades de criar os filhos.

No livro “A reengenharia do tempo” Rosiska Darcy de Oliveira fala da necessidade de flexibilizar o tempo de trabalho, a partir de alternativas já vigentes em alguns países. É preciso aumentar o reconhecimento da importância da vida privada, em contraposição ao mundo do trabalho; é preciso que as empresas se preocupem mais com a qualidade de vida de seus empregados e seus familiares, para que se cuide melhor do capital humano. Essa nova postura significa reconhecer que o trabalho não é a única riqueza da sociedade, mas que cuidar de outros, sejam crianças ou idosos, também é. Na proposta da reengenharia do tempo, encontra-se a necessidade de mudar o mundo do trabalho e das relações entre homens e mulheres, para dar conta das mudanças de organização familiar, inclusive do aumento crescente de mulheres que chefiam famílias. E nisso estão incluídas as mulheres aposentadas que, com sua renda, contribuem significativamente para o sustento de filhos e netos, além de ajudar a cuidar deles para que as mães trabalhem.

Portanto, dentre os vários caminhos possíveis, destacam-se: procurar ampliar as bases de apoio, que incluem a possibilidade de compartilhar a criação dos filhos com membros da família extensa, contar com o apoio de amigas em situação semelhante, e buscar recursos institucionais disponíveis; em âmbito coletivo, como parte da formação de uma nova consciência acerca da vida e da importância dos tempos de trabalho e de convívio familiar e social, ver a possibilidade de negociar contratos de trabalho mais flexíveis e formular acordos de responsabilidade compartilhada entre homens e mulheres, tendo em vista a produtividade no trabalho e o maior bem-estar para os trabalhadores e seus familiares.

Imagem de capa: Shutterstock/Cultura Motion

Maria Tereza Maldonado

É Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-RIO, onde lecionou no Departamento de Psicologia. É membro da ABRATEF (Associação Brasileira de Terapia Familiar). Tem mais de 40 livros publicados sobre relações familiares, desenvolvimento pessoal e construção da paz, com mais de um milhão de exemplares vendidos.

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