Por Sylvia Albuquerque
Dos cinco aos oito anos, Laurinha*, hoje com 10, assistia à babá se masturbar diariamente. A mulher esperava a patroa sair, ia para o quarto com a garota e a sentava em uma cadeira. Em seguida, se deitava na cama e obrigava a menina a permanecer ali até que chegasse ao orgasmo.
O caso só foi descoberto quando a criança contou na escola, com ar de naturalidade, o que acontecia, sem se dar conta de que era vítima. A família nunca desconfiou de nada. Como aquela mulher de confiança, que cuidava de tudo havia anos, que também era mãe, carinhosa, poderia cometer aquilo? Seria mesmo verdade ou uma invenção da menina?
Assuntos como pedofilia e abuso sexual envolvem um tabu tão grande que pouco se imagina que as mulheres sejam portadoras dessa doença e que também cometam estupros. Segundo um dado da Polícia Federal, a cada dez pedófilos, um é mulher. Assim como os presídios masculinos têm alas reservadas para estupradores, chamadas “seguro”, os femininos também possuem, e elas estão ocupadas.
O que acontece é que, em geral, as mulheres são denunciadas com menor frequência. Alguns motivos explicam essa subnotificação, como a ausência de penetração durante o abuso, a cultura machista que vê como algo normal as relações precoces entre meninos e mulheres mais velhas, ou o receio da família de denunciar e transformar o fato em um trauma maior que interfira na sexualidade dos garotos.
Toque, beijo, carícia e ato libidinoso envolvendo crianças são considerados crimes pela Constituição, assim como o estupro, e precisam ser repassados à polícia.
O psiquiatra Danilo Baltieri, especialista em transtornos sexuais e coordenador do Ambulatório de Transtornos de Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC, afirma que o diagnóstico da pedofilia é difícil, e o tratamento, longo. Ele esclarece, ainda, que nem todo pedófilo abusa de crianças, e a maioria dos abusadores sexuais não é portadora de pedofilia.
— A pedofilia é doença: o desejo, o interesse constante por crianças durante, no mínimo, seis meses. As mulheres portadoras tendem a ser pessoas tímidas, que pouco se expõem socialmente, e, geralmente, tem alguma outra parafilia associada, como a zoofilia (sexo com animais) e exibicionismo.
Segundo o médico, muitas pessoas se aproveitam de oportunidades para cometer estupro, mas isso não significa que esses abusadores portem pedofilia.
— Na maioria das vezes, as pessoas presas por estupro são oportunistas, que se relacionaram com um adolescente por curiosidade, estupraram uma única vez. Mas se diagnosticada com a doença, essa pessoa precisa receber atendimento além da pena de prisão.
Maria*, portadora de pedofilia, foi obrigada a procurar tratamento depois de ser flagrada mexendo nas partes íntimas de uma menina que a irmã dela cuidava. Pressionada, ela acabou confessando que sempre sentiu desejo por crianças e que aquela não era a primeira vítima. Ela se descreve como uma “vergonha para a família”. Aos 37 anos, Maria faz tratamento com um psiquiatra há três.
— É uma tortura, um sofrimento diário, uma angústia. Hoje eu sei que o que eu fazia é crime, mas ao mesmo tempo não conseguia me controlar. Eu dependia daquilo para ter prazer.
Baltieri diz, ainda, que a pedofilia é uma das doenças mais estigmatizadas da medicina, e a sociedade a vê como uma “praga”, que deve ser combatida com violência, sem se dar conta da necessidade de tratamento médico desses portadores, para o bem deles e de suas possíveis vítimas.
— Nós médicos não queremos ignorar o crime, se fez tem que pagar, mas o tratamento é importante para que não haja reincidência.
Segundo dados do Disque 100, dos casos de abuso sexual registrados entre janeiro de 2012 e março de 2014, 60% não foram cometidos por parentes da vítima. O médico explica que as mulheres não procuram crianças do seu círculo familiar como vítima, na maioria dos casos.
— As mulheres portadoras da pedofilia, a maioria, se utilizam de crianças estranhas. Sabe-se por meio de pesquisas que, quanto mais estranha a criança, quanto mais nova a vítima, maiores as chances de o agressor ser portador da doença. Uma pessoa que manteve relação com uma criança ou adolescente uma única vez, dificilmente porta a doença.
Em 15 anos de ambulatório, Danilo atendeu a cinco mulheres que portavam a doença. Ele informou que o tratamento foi individual, diferente do oferecido aos homens que incluem terapias em grupo, e com uso de medicamentos.
Em conversa com o R7, a pequena Laurinha disse: “Ela ficava na cama mexendo nela”. A reportagem encontrou com a criança no Cevat (Centro de Visitas Assistidas do Tribunal de Justiça). Os pais dela eram separados quando a escola comunicou sobre o que a criança contou, e o pai entrou na Justiça para ter a guarda da menina alegando negligência por parte da mãe, responsável pela contratação da babá. O homem conseguiu e, desde então, não entrou mais em acordo com a mãe sobre as visitas, que passaram a ocorrer no Cevat.
Papel da família
Se é papel da polícia prender e investigar as denúncias de abuso sexual, da Justiça condenar e do Estado oferecer um tratamento ao detento avaliado e identificado como portador da pedofilia, cabe aos responsáveis pela vítima denunciar. A família não tem obrigação de saber se aquele agressor é portador, deve comunicar o crime às autoridades responsáveis.
*Os nomes são fictícios para proteger a identidade da vítima e da paciente
Fonte indicada: Notícias R7
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