O ser humano é o animal mais desamparado. Desde o início da vida, caminha na direção da autonomia e da independência aos trancos e barrancos. Como um manco. Caindo e levantando. Entre angústias, fezes e urinas. A partir de seu contato com o ambiente – inicialmente, a mãe ou quem ocupe o seu lugar – o bebê deseja alimentar-se, pois sente fome. Mas não unicamente fome de alimento: ele deseja algo mais. Este algo mais podemos chamar de carinho, ternura, afeto, aconchego, enfim, amor. Necessitamos de amor para crescermos saudáveis. Para nos constituirmos como sujeitos, donos de nossa própria vida.
Entretanto, esse amor é sempre falho; sempre incompleto. Porque os pais são falhos e incompletos. Ou até mesmo sofrem de maiores transtornos. Crescemos e nos desenvolvemos em ambientes que nem sempre são suficientemente bons. Muitos de nós amargam carências ou traumas; tristezas ou desamparos; raivas guardadas ou perdas irreparáveis. No fim das contas, crescemos sempre correndo atrás desse algo mais que buscamos desde o início. Quando procuramos o amor – e mesmo quando o encontramos – sempre percebemos que não nos tornamos satisfeitos, plenos, unos. Somos essencialmente furados, rasgados, frustrados, famintos.
O amor do qual necessitamos nos revela que temos necessidade do outro: o outro nos falta. E, para que amemos, é sempre necessário reconhecer e confessar esta falta. Só quando temos a consciência (sempre relativa, de um modo ou de outro) de que somos castrados e que temos um coração vazio prenhe de ser preenchido nos tornamos realmente desejantes e utilizamos a linguagem para atrair, seduzir, deixar-se cair nas mãos, nos braços, no coração de quem queremos como companhia de nosso dia a dia, incluindo a parceria sexual. O amor é sempre sexual, mesmo quando desloca-se e sublima-se em amizade ou em causas ditas nobres, sociais ou divinas.
A Psicanálise vai revelar ainda um aspecto mais profundo do amor. Cada vez que saímos à sua procura, no fundo, desejamos encontrar alguém que nos responda a pergunta mais fundamental e angustiante: quem somos nós? Amar é exatamente buscar o saber sobre si mesmo no outro. É o outro que eu escolho para me responder a pergunta que me faço desde o começo da vida. Porque, por nós próprios, nunca saberíamos quem somos. É o outro quem nos revela a nós mesmos. Tudo o que sabemos sobre nós nos foi e nos é revelado pelo outro.
Mas essa verdade – que é também a verdade de quem procura submeter-se a uma Psicanálise – é difícil de suportar. Saint-Exupéry, no clássico “O Pequeno príncipe”, escreve que o essencial é invisível aos olhos. Sim, é. Aos nossos próprios olhos e aos olhos do outro. Por isso a resposta a esta pergunta inquietante e que gera a necessidade de amar e ser amado só pode ser dada pelo coração. O mesmo autor vai dizer que só se vê bem com o coração. No entanto, como seres de linguagem e de cultura que somos, precisamos das palavras ou, se elas não podem ser ditas, de toques ou substituições. Só permanecemos numa parceria amorosa enquanto acreditarmos que temos ou teremos o reconhecimento do outro.
O famoso e excêntrico psicanalista francês, Jacques Lacan, afirma em um de seus aforismos que amar é dar o que não se tem a quem não o quer. Porque não temos essa resposta para dar ao outro, uma vez que todos nós somos movimento e nunca seres estanques. Também porque amar é doar sua falta, seu vazio, sua incompletude constitucional ao outro. Por isso podemos dizer, com a Psicanálise, que só se ama verdadeiramente a partir de uma posição feminina. O amor é uma paixão feminina. Só amamos quando nos damos por inteiro; quando baixamos a guarda; quando nos abrimos.
O amor, portanto, quando autêntico, é sempre cômico em um homem, independentemente se este homem é orientado sexualmente para o seu ou para o outro sexo. O homem foge do amor quando não está seguro de sua própria identidade. Mulheres amam mais fácil, porque, quando se constituem como mulheres, já se colocam num lugar de incompletude e se sabem castradas no real do corpo. O homem se quer sempre potente e fálico – o que não passa de ilusão (machista), uma vez que também o homem desejante é castrado simbolicamente: sempre lhe falta aquele algo a mais primitivo.
Porque, para o homem, o amor é complicado, implicando sempre em palavras e palavras (a famosa DR: discutir a relação), o sujeito masculino faz normalmente uma cisão entre amor e sexo. Freud, o pai da Psicanálise, já nos alertou para isso. Muitas vezes homens amam quem não desejam e desejam quem não amam. Isso é mais difícil de acontecer (ou era) entre mulheres. Mulheres são auditivas e cinestésicas, sempre dispostas a ouvir e a sentir as necessidades do outro. Repito: por isso amam mais e com mais facilidade.
Amar e ser amado, no entanto, é a fantasia comum a todo ser humano, em qualquer tempo ou lugar. Podemos dizer que é uma fantasia universal. Precisamos dela para aguentar o peso terrível do cotidiano. Nada melhor do que o amor. Nenhuma defesa, nenhum semblante, nenhuma neurose ou outro sintoma substitui o amor em sua capacidade de levar o sujeito a inventar seu próprio estilo e assumir seu modo de gozar e de cuidar de quem ama. Embora o amor não seja feito apenas de palavras, é nas palavras que ele se mostra. Aí estão, no mundo da cultura, poemas, romances, contos, dramas, tragédias, comédias, filmes, música.
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