Esse é o tipo de coisa que eu vou morrer repetindo. Vou repetir sem cansar, porque tem tanta gente que não conhece o assunto, que não tem empatia nenhuma.
Respirem fundo e repitam comigo: SAÚDE MENTAL É COISA SÉRIA. SAÚDE MENTAL É COISA SÉRIA. SAÚDE MENTAL É COISA SÉRIA E PRECISA SER TRATADA, SEJA DO JEITO QUE FOR.
Antes de alguém achar que é frescura, eu vou trazer um trecho de um artigo que fala sobre depressão e doenças cardiovasculares (mas o que realmente eu vou focar aqui é a depressão, obviamente). Você pode ler o artigo na Scielo aqui. Aliás eu até acho ótimo que esse artigo trata sobre doenças cardiovasculares, porque eu quero esfregar na cara de todo mundo que acha que “é só frescura” e “não é doença de verdade”. Inclusive ele vem com métodos de pesquisa e resultados. Vem comigo:
A Organização Mundial da Saúde (OMS) cita a depressão e a doença cardiovascular como duas das condições mais debilitantes e dispendiosas no contexto da saúde, sendo essas doenças crônicas as enfermidades de maior impacto sobre a qualidade de vida do indivíduo (Oliveira Jr, 2005). A depressão é indicada pela OMS como a quinta mais freqüente doença na saúde pública (Tamai, 2003).
(…)
Estima-se que a doença arterial coronariana (DAC) e a depressão maior serão em 2020 as duas principais causas de morte (World HeaIth Organization, 2001)
(…)
Pesquisas recentes indicam que a depressão não tratada adequadamente é considerada tanto um fator de risco para o surgimento do infarto agudo do miocárdio (IAM), como fatr de pior prognóstico, aumentando sensivelmente a morbidade e a mortalidade (Tamai, 2003)
(…)
Outro estudo, no qual pacientes cardiopatas com história de sintomas depressivos foram comparados com pacientes não deprimidos, concluiu que o risco relativo para os depressivos sofrerem um evento coronariano é comparável ao risco da obesidade, sendo um pouco mais baixo que o hábito de fumar (The American Psychosomatic Society , 2004).
(…)
Em suma, o presente trabalho sugere que os transtornos de depressão não são desencadeados pelo IAM, mas que estavam presentes antes da admissão hospitalar, enfatizando a importância da detecção precoce e do diagnóstico adequado para o planejamento de intervenções efetivas nesta condição extremamente prevalente.
Não sou eu, Larissa, estudante e publicitária e professora de inglês, que estou afirmando essas coisas. Foram pessoas que fazem parte do Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul. Ou seja: fica claro que uma depressão mal tratada desencadeia sim alguma doença física – é um fator de risco para o infarto agudo do miocárdio, por exemplo.
Mas minha pesquisa não para por aí. Eu decidi não colocar minha opinião pessoal porque aparentemente depoimentos de pessoas que sofrem com isso não são levados a sério. Então vamos lá.
O artigo da Dra. Kathy Hegadoren, que é ph.D e especializada em distúrbios relacionados aos stress em mulheres e que também dá aulas na University of Alberta com um resumo disponível em português e texto original em inglês, nos fornece mais detalhes interessantes.
A depressão é um grave problema de saúde global. Ela cria um enorme fardo econômico na sociedade e nas famílias e têm grave e penetrante impacto na saúde do indivíduo e de suas famílias. Serviços psiquiátricos especializados são muitas vezes escassos e, portanto, a maior parte da prestação de cuidados em depressão ficou sob a responsabilidade dos prestadores de cuidados primários (…) Considerando que a depressão é um transtorno de espectro heterogêneo, há necessidade de atenção tanto para os detalhes de sua apresentação clínica, bem como dos fatores contextuais.
Podemos ver essa situação claramente definida no Brasil. Encontrar um especialista bom através de sistemas públicos é bastante complicado e muitas vezes frustrante. Lembram meu post sobre o Coral Cênico dos Cidadãos Cantantes? No podcast que está disponível, você escuta o relato de uma pessoa que foi diagnosticada com esquizofrenia… numa consulta de SETE minutos através de um hospital público. SETE minutos. Pra diagnosticas ESQUIZOFRENIA, que é uma doença muito, mas muito complicada. Existem também inúmeros relatos de atendimentos ruins na área de psicologia e psiquiatria nas redes de hospitais públicos, é só dar uma pesquisada, como nessa entrevista da psiquiatra Ligia Florio para a Folha de São Paulo:
Luciana: não há serviços públicos de psicoterapia para neuróticos ou normóticos, apenas para psicóticos ou para especiais, não seria mais econômico para todo o sistema de saúde atender em psicoterapia essa população?
Ligia: as dificuldades são muitas, existe a terapia comunitária, os atendimentos em UBS, mas o número de pessoas que necessita é absurdamente maior que o número de profissionais disponíveis nos serviços. (…) Existe um comportamento de que a doença pede cura, mas no caso dos diagnósticos em psiquiatria usamos os transtornos, porque as alterações mentais e de comportamento não possuem um fator etiológico único. Os transtornos psiquiátricos têm graus variáveis de fatores sociais, culturais, biológicos e psicológicos. (…) Em psiquiatria os transtornos são muito disfuncionais, quase ou até incapacitantes, com características sindrômicas. A necessidade de explicar e resolver favorece a criação de diagnósticos que antes eram apenas sintomas em psiquiatria.
Mas calma, a minha pesquisa não parou por aí. “Ah, mas você é jovem! Deveria sair e não ficar preso num quarto! Isso é frescura”. Muito bem. Agora eu trago um artigo de Marcia Manique Barreto Crivelatti; Solânia Durman e Lili Marlene Hofstatter (dá para saber onde elas trabalham e pesquisam no link) que derruba essa sua teoria babaca.
Os adolescentes se deparam com várias situações novas e pressões sociais, favorecendo condições próprias para que apresentem flutuações do humor e mudanças expressivas no comportamento. Alguns entretanto, mais sensíveis e sentimentais, podem desenvolver quadros francamente depressivos com notáveis sintomas de descontentamento, confusão, solidão, incompreensão e atitudes de rebeldia. Esse quadro pode indicar depressão, ainda que os sentimentos de tristeza não sejam os mais evidentes (…) Os indivíduos que sofrem de depressão experimentam um grau profundo de tristeza aparentemente não relacionada com estímulos externos e por longo período.
Eu vou abrir mais uma citação desde mesmo artigo e quero que vocês prestem muita, mas muita atenção nele.
Torna-se nítida a falta de conhecimento sobre a doença, conforme depoimentos a seguir.
Não sei. Pra mim depressão é isso, essa vontade de comer e de dormir que eu sinto o dia inteiro […] (Entr.1).
Não sei nada sobre a depressão […] pra mim depressão é uma coisa boa (Entr.2).
Não sei te dizer o que é depressão, acho que é uma doença (Entr.3).
Eu não sei dizer ou explicar o que é depressão (Entr.4).
Esta ausência de conhecimento está relacionada ao desinteresse pelo tema, falta de orientação pela equipe de tratamento, incompreensão das alterações provocadas pela doença no organismo, não acesso à bibliografia específica, dificuldades em entender termos técnicos da área da saúde. A desinformação é um fator que influência na adesão ao tratamento, predispondo o adolescente ao agravamento do seu quadro clínico. (…) Muitos conflitos familiares ocorrem porque a família acredita que as atitudes do adolescente são contra seus parentescos, interpretam a conduta do adolescente como de rebeldia e indisciplina, não percebem que este comportamento decorre da oposição aos princípios de vida respeitados no grupo. Os pais tendem a misturar tendências educacionais modernas e tradicionais, e acabam sendo contraditórios e confusos em suas atitudes deixando os adolescentes inseguros.
Vocês lembram o que os pesquisadores do primeiro artigo sobre as doenças cardiovasculares concluíram? Vamos recapitular:
(…)os transtornos de depressão não são desencadeados pelo IAM, mas que estavam presentes antes da admissão hospitalar, enfatizando a importância da detecção precoce e do diagnóstico adequado para o planejamento de intervenções efetivas nesta condição extremamente prevalente.
Eu mostrei poucos artigos que comprovam a necessidade de falar, discutir e expor de maneira clara a saúde mental e seus inúmeros transtornos e o quanto eles podem atrapalhar a vida de alguém. Existem MILHARES de outros artigos que comprovam a mesma coisa: depressão não detectada cedo ou que não é tratada podem trazer INÚMEROS problemas para a saúde e vida da pessoa. E eu sei disso muito bem. Sabe por que?
Eu fiquei dois anos sem arranjar emprego porque eu não conseguia ir às entrevistas sem ficar altamente deprimida e ansiosa. Isso porque eu sempre fui uma aluna exemplar, falava inglês fluente desde os 17 anos.
Eu já tive mudanças de humor drásticas e uma delas poderia ter causado a minha morte em outubro do ano passado.
Eu não conseguia sair de casa, eu não conseguia viver a minha vida por causa disso. Eu perdi uma adolescência INTEIRA por causa de crises depressivas.
Até hoje eu tenho problemas para dormir, problemas para confiar nas pessoas, problemas em deixar qualquer pessoa realmente se aproximar de mim e me conhecer por inteiro. Tudo isso porque as situações ao meu redor desencadearam algo que sempre esteve dentro de mim e que estava dormindo.
Até hoje eu vivo dias em que eu acho que eu não deveria ter nascido, que eu sou um lixo, e trocentas outros insultos que eu repito para mim mesma.
A sua ignorância não vai anular a minha vivência, nem a de tantas outras pessoas que sofrem disso. É muito fácil ser estável, conseguir reagir de maneira adequada às merdas que a vida te joga. Você aí não tem propriedade alguma para falar sobre a onda que te afoga, o fogo que te queima por dentro, a terra que te joga para baixo, o ar que congela os seus ossos.
Se você passasse um dia vivendo a nossa vida, eu quero ver você dizer que eu devo expor esse lado da minha vida rindo, que passa rápido, que é frescura, que não deve ser levada a sério. Isso não é uma “gripezinha”. Eu não falto no trabalho um dia, fico na cama e pronto. Eu passo DIAS na cama, eu NÃO arranjo emprego, e os remedinhos que eu preciso tomar custam muito mais que um benegrip da vida.
Eu só consegui ter uma vida mais saudável e produtiva quando eu comecei a me tratar e a entender minha situação e tomar as providências necessárias. Ainda tenho crises, ainda tenho períodos de desânimo total. Mas eu levo minha saúde mental completamente a sério, porque se outubro me fez aprender algo, é que se eu não cuidar do que acontece na minha mente, eu morro.
Agora eu desafio qualquer um a olhar na minha cara e falar que depressão é frescura. Vamos lá. Eu quero ver quem ousa tentar.
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