RELACIONAMENTOS

Não se contente com migalhas

Por Cristina Souza

Assim como Cazuza, queremos a sorte de um amor tranquilo, com sabor de fruta mordida, queremos sempre todo amor que tiver nessa vida. Essa fome de amar faz o coração clamar todos, todos os dias, faminto. Por vezes austero, o pobre sofre nesse mundo de sabores amargos escondidos em frutas que parecem doces. No meio de tanta fome, alguém oferece migalhas – e nessa de não ter nada para se abastecer, por que, então, não pegamos dessa vez só um pouquinho do sentimento que está ali no prato, de canto?

As migalhas dormidas do teu pão, raspas e restos para o poeta, interessam. Mas não! Por mais que a gente esteja faminto, por mais que cutuque no âmago do coração, não devemos aceitar as migalhas que diversas vezes nos são oferecidas. Elas não matam a fome: é bem pior, você sente o sabor, acha que pode ter mais e mais, exige isso, quer se alimentar, quer ser farto, quer se encher de amor até transbordar, mas isso não acontece – e veja só, de quem é a culpa da frustração que vem logo depois? Sua, que sabia que tinham somente raspas e restos e foi no embalo. Fome tem dessas coisas.

Ah, mas a gente só se vê quando já se fez faminto desse vazio que a gente mesmo escolheu comer – como diz a música do Castello Branco – então, de que vale ficar se alimentando de nada? Ninguém mata a sede com um pingo de água, ninguém sobrevive com um pingo de amor, mas eu vejo tanto por aí quem tenta, insiste em tirar mais dessa fonte seca, só porque acha que merece isso. Vejo gente aceitando mentiras (que nunca são sinceras), aceitando o que outrora enchia a boca pra falar que era inaceitável, fazendo dieta forçada só para estar na moda de não estar sozinho, gente minguando todos os dias porque não vai atrás de um sentimento que faça crescer. Porque tem medo, medo de ficar sozinho, medo de esperar para alimentar-se fartamente.

Quantas pessoas você conhece que dizem que está tudo, tudo bem, que não querem nada sério também, que entendem que se deve esperar, quando na verdade querem sim algo concreto, completo, querem abraços, beijos, querem o sim, querem o agora? Eu conheço várias. Até quando você terá que anular as suas vontades por conta do medo de perder o outro que, veja só, nem está lá? Você quer prato, prato cheio, quer comida fresca, quer se embriagar, quer se jogar, mas diz que não – prato cheio anda meio deselegante, dizem que é feio comer até matar a fome. Feio é passar fome, feio é dizer não quando se quer dizer sim, feio é aceitar migalhas dormidas, secas e vazias.

Eu, que tenho fome – sou faminta e como muito, muito mesmo – já aceitei migalhas. E no fim do dia me restava o ronco vazio do meu estômago misturado com o coração seco do amor que não me preencheu. Eu já não posso mais, já não aceito mais. E você?

TEXTO ORIGINAL DE OBVIOUS

Psicologias do Brasil

Informações e dicas sobre Psicologia nos seus vários campos de atuação.

Recent Posts

Cada vez mais pessoas se declaram “abrossexuais”; entenda o que isso significa

A jornalista inglesa Emma Flint conta que só descobriu o termo abrossexualidade aos 30 anos,…

2 horas ago

Padre causa polêmica ao dizer que usar biquíni é “pecado mortal”

Uma recente declaração de um padre sobre o uso de biquínis gerou um acalorado debate…

22 horas ago

Filme arrebatador de Almodóvar tem um dos finais mais surpreendentes do cinema

Esta jóia do cinema disponível na Netflix envolve o espectador em uma trama de desejo…

24 horas ago

Na Netflix: O filme com Tom Cruise que você certamente deixou passar, mas merece seu play

Um filme ambicioso e bem realizado que fascina pelo espetáculo visual e pelas perguntas filosóficas…

3 dias ago

Filme excelente na Netflix baseado em obra de Stephen King vai fazer seu coração pulsar mais rápido

A reviravolta completamente imprevisível deste filme vai te deixar boquiaberto!

3 dias ago