Por Cristiano Nabuco
Após três décadas de trabalho como profissional da psicoterapia, inevitavelmente se aprende bastante a respeito do sofrimento humano. Estar tão próximo a pessoas que chegam em diferentes estágios de aflição emocional, faz com que um olhar mais atento possa revelar aspectos importantes de todos aqueles que são, continuadamente, assolados pelas mazelas da vida, tão comum a todos, não respeitando idade nem condição social.
Eu e você, portanto, fazemos parte desse grupo.
Assim sendo, uma coisa é certa: independentemente de seu grau de instrução ou a fase da sua vida, você terá que manejar as marolas afetivas que lhe atingem a todo momento. E, dependendo da maneira que você se posicionar diante desse sofrimento, seguramente, ele poderá ser suavizado e, em muitos casos, abreviado.
Sim, é exatamente isso que você entendeu.
De acordo com sua destreza pessoal, transitar pelos sentimentos ruins é algo que também pode ser aprendido e, caso você ainda não saiba, é exatamente isso que fazemos em uma boa psicoterapia: ajudar as pessoas de maneira técnica e efetiva no desenvolvimento de várias formas de resiliência psicológica e na criação de habilidades de enfrentamento.
A aflição psicológica, assim, se apresenta em três níveis bastante claros.
O primeiro diz respeito àquelas condições em que as pessoas se queixam das situações da vida como as grandes causadoras de seu sofrimento pessoal, ou seja, muitos, ao analisarem retrospectivamente, se descrevem como vítimas de sua existência. Assim sendo, semelhante a uma criança que, ao tentar sair do berço, por exemplo, assume condutas arriscadas – dada sua pouca maturidade -, e acaba caindo, faz do “berço” o maior “responsável” pela sua angústia.
Vou lhe dizer então que grande parte dos pacientes assim se descrevem, ao se sentarem à minha frente no começo de uma psicoterapia, pois, ainda com uma compreensão limitada, responsabilizam terceiros como os verdadeiros causadores de seu infortúnio particular.
Nesse estágio, é como se as outras pessoas – e não elas mesmas -, fossem colocadas como as verdadeiras responsáveis por favorecer (ou atravancar) a realização pessoal. E, obviamente, ao procedermos assim, entregamos aos outros a incumbência de nos oferecer as verdadeiras possibilidades de transformação, o que, diga-se de passagem, não é lá muito correto.
Evidente que uma parte de nós já vivenciou situações muitas vezes devastadoras ao longo de seu desenvolvimento e que, de fato, muitos dos problemas foram causados por algo externo e instável como uma doença, morte, acidente, entretanto, devo dizer que as causas incontroláveis não são, muitas vezes, uma maioria.
A grande parte padece e, ainda assim, insiste em culpabilizar os outros por sua dor e, o pior, permanecem vivendo dessa maneira, não apenas enquanto os fatos ocorreram, mas, em muitas situações, por toda uma vida, o que colabora para que se tornem amarguradas e melancólicas por longos períodos de tempo, comprometendo seriamente suas possibilidades de transformação.
Eu sei, há muitas pessoas, realmente, que são bastante tóxicas e, portanto, devem por nós serem evitadas, entretanto, tenha em mente: quando lidamos com a natureza humana, estamos, na verdade, nos relacionando muito mais com as limitações dos outros do que com suas habilidades. As pessoas, assim, expressam muito mais suas incompetências do que suas aptidões e, portanto, nosso sofrimento ocorre, grande parte das vezes, por que nossas expectativas não são preenchidas, fazendo do desencantamento uma engrenagem central em nosso drama pessoal.
Esperamos ser bem tratados e não somos. Esperamos receber carinho e atenção e, na verdade, isso não acontece. Desta forma, igual à criança que caiu do berço e culpa o berço, em muitos casos a transgressão é imputada “ao outro” por não conseguir responder às nossas necessidades. Sou infeliz por que meu pai não me dá atenção ou por que meu chefe não percebe meus esforços, por exemplo, e assim ficamos magoados (bravos e tristes seriam as palavras corretas), limitando nossa capacidade de reação por décadas.
A saída, obviamente existe e, se assim não fosse, estaríamos fadados ao sofrimento perene.
Assim, vai minha dica: tente olhar um pouco mais adiante ou, se você preferir, compreenda um pouco melhor a raiz do comportamento dos outros que tanto o frustra. Devo dizer que isso é algo bem simples, embora não muito agradável de ser feito por nós.
Sabe por quê? Pois raciocinamos da seguinte maneira: “sofremos e ainda temos, de quebra, que tentar compreender o outro?”.
Sim, e esse é o primeiro passo para um trânsito eficaz de mudança psicológica interna, o desenvolvimento de uma autêntica e honesta empatia.
Veja só, a pessoa que não lhe dá atenção, possivelmente, nunca recebeu atenção de seus familiares em sua vida pregressa, ou seja, nunca aprendeu a ser bem tratada e, portanto, não consegue passar adiante, qualquer afetividade, por menor que ela seja.
Lembre-se: apenas podemos dar aquilo que um dia nos lembramos de ter recebido. Portanto, se não há registros, esqueça, simplesmente o determinado gesto não virá. Isso não quer dizer que tenhamos que aceitar incondicionalmente as limitações dos outros, entretanto, tente deixar de sentir o mau tratamento que nos é dirigido como algo pessoal.
Quando colocamos o comportamento do outro em perspectiva, não aceitamos mais o que o outro nos faça de mal e, dessa maneira, começamos a adentrar em um segundo estágio da mudança que é o de compreender que, na realidade, somos todos sobreviventes (nós e os outros) das situações que passamos e que, na ocasião, muito pouco tínhamos a fazer, dado nosso pouco grau de maturidade.
Por alguma razão, lá estávamos todos e agora, independente dos fatos, fizemos o que julgávamos ser correto e, assim, temos que seguir adiante e olhar para frente.
Esse período de tomada de consciência é o prelúdio de grandes mudanças pessoais. Quando começamos a ver todas essas implicações na teia de reações emocionais às quais estamos presos, começamos a depender menos dos outros e mais de nós mesmos, o que é, diga-se de passagem, extremamente libertador.
Assim, ao não darmos mais ao outro a possibilidade de nos controlar, não mais nos sentimos vítimas do meio ambiente e nossas aflições começam a diminuir exponencialmente.
Adentramos então no último estágio de mudança psicológica humana que nos coloca não mais como vítimas ou como sobreviventes, mas como os reais protagonistas de nossa existência.
Quando finalmente começamos a compreender isso, um grande salto é dado no sentido de começarmos a nos debruçar sobre nossas limitações pessoais e, portanto, podemos caminhar a passos largos em direção a uma autêntica mudança psicológica interna.
O tema precisaria ser mais discutido, mas acredito que você já entendeu o que estou tentando lhe dizer. Acho que você consegue continuar daqui sozinho(a)…
E, para finalizar, eu lhe lanço uma pergunta final:
Você algum dia já parou para pensar o que (ainda) está fazendo para atrapalhar a sua realização?…
O processo de mudança psicológica está em suas mãos e eu creio piamente que você já tem o bastante para, finalmente, poder alçar o seu voo, não tem?
Imagem de capa: Shutterstock/YAKOBCHUK VIACHESLAV
SOBRE O AUTOR
Grupo de Dependências Tecnológicas do Programa Integrado dos Transtornos do Impulso (PRO-AMITI) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
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