Hoje estava pensando nas vezes em que eu disse não e queria dizer sim. Nas vezes em que disse sim e queria dizer não. Nas vezes em que pedi salada, mas queria pedir lasagna; que pedi gelatina, mas queria pedir petit gateau com bastante sorvete.
Nas vezes em que eu disse “vai”, e queria dizer “fica” e nas vezes em que eu queria dizer “some!” e me obriguei a ser humana, complacente e apenas tolerar. Nas vezes em que sorri para esconder a cara feia. Nas vezes em que disse “faça o que seu coração mandar” quando queria dizer “se fizer isso, você tá ferrado” Nas vezes em que queria dizer “vá para o inferno”, e disse “tudo bem, não foi nada não”.
Nas em vezes que retribui comportamento ruim com atitudes boas quando queria mesmo era dar com a porta no nariz. Nas vezes em que eu disse que o tempo resolveria tudo quando queria mesmo era fazer o maior barraco.
Nas vezes em que perdoei uma dívida, dizendo “ah, tá difícil pra todo mundo”, quando queria mesmo era chamar o tal “amigo” de folgado. Nas vezes em que fiz de conta que não entendi um desaforo quando queria mesmo era mostrar para o atrevido onde era o seu quadrado.
Cheguei numa idade mental em que me recuso a viver para ser “a boazinha”. Descobri, do modo mais doloroso possível, que a pessoa “boazinha” esconde uma prepotência e onipotência absurdas. Ela tem a ideia fixa de que está acima das dores que os outros lhe podem causar, acima das suas vontades saudáveis ou não, acima do que a faz feliz, mas não é politicamente correto.
A boazinha faz tudo o que ela acha que o mundo espera de alguém adorável, obrigando-se a caminhar com os dedos dos pés encolhidos diante da possibilidade de qualquer escorregão, a respiração presa e um semblante de paz, paciência e compreensão 24 horas por dia.
A boazinha é a encarnação da perfeição e por isso, espera receber em troca tudo que é disposta a dar. Não recebe, se frustra, engole o choro e faz o quê? Continua boazinha porque seu esforço maternal vai mudar o mundo e tocar os corações mais frios. A um certo ponto a boazinha já não sabe mais se é boazinha ou se tenta, através da doação doentia, controlar o amor e admiração dos outros.
A boazinha nega, mas no fundo sabe que, invariavelmente, ser este anjinho de candura tem um custo enorme, e é ela, no final, quem sempre fica com a fatura.
Não sou mais boazinha. Sou um ser humano.
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Imagem de capa: Andriy Solovyov/shutterstock
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