COLABORADORES

Não sou mais boazinha!

Hoje estava pensando nas vezes em que eu disse não e queria dizer sim. Nas vezes em que disse sim e queria dizer não. Nas vezes em que pedi salada, mas queria pedir lasagna; que pedi gelatina, mas queria pedir petit gateau com bastante sorvete.

Nas vezes em que eu disse “vai”, e queria dizer “fica” e nas vezes em que eu queria dizer “some!” e me obriguei a ser humana, complacente e apenas tolerar. Nas vezes em que sorri para esconder a cara feia. Nas vezes em que disse “faça o que seu coração mandar” quando queria dizer “se fizer isso, você tá ferrado” Nas vezes em que queria dizer “vá para o inferno”, e disse “tudo bem, não foi nada não”.

Nas em vezes que retribui comportamento ruim com atitudes boas quando queria mesmo era dar com a porta no nariz. Nas vezes em que eu disse que o tempo resolveria tudo quando queria mesmo era fazer o maior barraco.

Nas vezes em que perdoei uma dívida, dizendo “ah, tá difícil pra todo mundo”, quando queria mesmo era chamar o tal “amigo” de folgado. Nas vezes em que fiz de conta que não entendi um desaforo quando queria mesmo era mostrar para o atrevido onde era o seu quadrado.

Cheguei numa idade mental em que me recuso a viver para ser “a boazinha”. Descobri, do modo mais doloroso possível, que a pessoa “boazinha” esconde uma prepotência e onipotência absurdas. Ela tem a ideia fixa de que está acima das dores que os outros lhe podem causar, acima das suas vontades saudáveis ou não, acima do que a faz feliz, mas não é politicamente correto.

A boazinha faz tudo o que ela acha que o mundo espera de alguém adorável, obrigando-se a caminhar com os dedos dos pés encolhidos diante da possibilidade de qualquer escorregão, a respiração presa e um semblante de paz, paciência e compreensão 24 horas por dia.

A boazinha é a encarnação da perfeição e por isso, espera receber em troca tudo que é disposta a dar. Não recebe, se frustra, engole o choro e faz o quê? Continua boazinha porque seu esforço maternal vai mudar o mundo e tocar os corações mais frios. A um certo ponto a boazinha já não sabe mais se é boazinha ou se tenta, através da doação doentia, controlar o amor e admiração dos outros.

A boazinha nega, mas no fundo sabe que, invariavelmente, ser este anjinho de candura tem um custo enorme, e é ela, no final, quem sempre fica com a fatura.

Não sou mais boazinha. Sou um ser humano.

Gostou desse texto? Lucy Rocha está em pré-venda de seu livro O Pequeno Manual do Amor Saudável. Acesse o link e saiba mais.

Imagem de capa: Andriy Solovyov/shutterstock

Lucy Rocha

Advogada, personal coach e fascinada pelo estudo de transtornos de personalidade, administra a página Relações Tóxicas, na qual dá dicas e apoio a pessoas que vivem, viveram ou sobreviveram a uma relação abusiva. Seu maior prazer é escrever reflexões sobre a vida e sobre o ser humano.

Recent Posts

Obra-prima da animação que venceu o Oscar está na Netflix e você precisa aasisstir

Uma pequena joia do cinema que encanta os olhos e aquece os corações.

2 horas ago

O filme da Netflix que arranca lágrimas e suspiros e te faz ter fé na humanidade

Uma história emocionante sobre família, sobrevivência e os laços inesperados que podem transformar vidas.

3 horas ago

Dicas para controlar os gastos e economizar nas compras

Você ama comprar roupas, mas precisa ter um controle melhor sobre as suas aquisições? Veja…

1 dia ago

Minissérie lindíssima da Netflix com episódios de 30 minutos vai te marcar para sempre

Qualquer um que tenha visto esta minissérie profundamente tocante da Netflix vai concordar que esta…

1 dia ago

Saiba o que é filofobia, a nova tendência de relacionamento que está preocupando os solteiros

Além de ameaçar os relacionamentos, esta condição psicológica também pode impactar profundamente a saúde mental…

1 dia ago

‘Mal posso esperar para ficar cega’; diz portadora de síndrome rara cansada de alucinações

Aos 64 anos, Elaine Macgougan enfrenta alucinações cada vez mais intensas conforme sua visão se…

2 dias ago