Chega dezembro e a gente se pega ali, meio estranho, talvez nostálgico, um desassossego que nem sempre nomeamos. Os anos esconderam aquela criança que se alegrava com os detalhes e esperava pouco da vida. Bastava um sorriso de quem amávamos e o mundo mudava de cor, o universo residia nos detalhes…
A vida anda, as pernas se alongam, o corpo muda, as rugas se achegam. Junto com tudo isso chegam as mortes, naturais e diárias. A gente percebe a delícia do sim e o amargo do não. No meio disso tudo nos perdemos, diariamente e devagar, como aquela agulha que guardamos não sei onde ouos bilhetes que achamos no meio de uma procura, sussurrando sobre partes da nossa vida que nem lembrávamos existir.
Delicadamente deixamos de ser quem somos e não sabemos onde procurar. Talvez naquela meia atrás da porta, na boneca esperando colo, no cheiro do bolo que a nossa avó fazia, no cachorro que latia desesperadamente quando chegávamos, no balançode uma árvore qualquer num desses quintais de infância ou nos ipês que floresceram e não deu tempo de assistirmos. Crescemos e as promessas de um mundo novo vão ficando muito requintadas, queremos mais, mais e mais.
A gente desperta por fora e fica dormindo por dentro. Cuida das coisas que os olhos alcançam e pouco das coisas que residem na alma. Promessas de um mundo novo acontecem nos arredores, perto dos nossos pés, no quintal, na sala ou no quarto. Talvez o mundo novo seja inaugurado no livro que fala de amor, no filme que faz sentido, na receita de bolo adormecida na gaveta esperando nossas mãos, nas fotografias esperando alguma nova ordem, no sorriso do caixa do supermercado, na gentileza daquele senhor que oferece um bom dia independente do tempo chuvoso ou, quem sabe, naquele abraço desperdiçado que a gente recolhe e dá um destino gostoso, abrindo a porta de um lugar onde somos aguardados somente por ser quem somos…