COLABORADORES

“No meu feminismo tem homens, assim como no resto do planeta”

Este texto está publicado originalmente no Lugar de Mulher

É fácil odiar homens. É fácil querer que eles desapareçam da face da Terra. É só ler o jornal. Ouvir mulheres contando tudo o que passaram e foi causado por eles. Ou lembrar da nossa própria vida. Comecei a ser assediada nas ruas com uns 9, 10 anos. Eu já tinha corpo, diziam. É coisa de homem, explicavam. Eu já ouvi cantada, já fui chamada de vagabunda por dizer não, já tive que tirar cara de cima de mim com minha própria força porque ele queria transar sem camisinha e eu não. Já sofri e só de olhar todas as marcas que homens deixaram em mim seria fácil odiá-los.

A vida vem me presenteando com homens incríveis? Não. Se eu olhar para o meu passado foram poucos que não me machucaram de maneiras que só se pode machucar uma mulher. Mas o que eu faria com todos esses caras? Os mataria? Exterminaria? Criaria um mundo sem eles? Os obrigaria a se calarem? O que qualquer uma dessas opções faria de mim? Quem eu me tornaria? Um dos caras que deixou marcas em mim. É isso que eu me tornaria.

Sou mãe de dois meninos. Não vou entrar em detalhes sobre eles, mas são crianças apaixonantes e cheias de espaço para aprender. Aprender o correto. Aprender a respeitar. Aprender a não se utilizar de estruturas socialmente impostas para oprimir. Aprender que podem mudar tudo ao seu redor para o bem. Mas os dois são homens. E eu sou uma mulher feminista. Como não vou incluir meus filhos nessa luta? Como vou educá-los senão dentro do movimento em que acredito? O que deveria fazer com eles? Os homens fazem parte da minha luta.

Não vou levantar bandeiras que eles deveriam levantar sozinhos. Não vou lutar para que eles não tenham que servir o exército – por mais que eu ache que ninguém tenha que servir exército nenhum -, não vou brigar suas brigas. Eles têm forças para isso e o máximo que posso fazer é impulsionar os quais sou responsável pela criação. Mas também não quero que eles desapareçam.

Respeito as mulheres que não querem homens por perto. É uma escolha cheia de motivações. Mas fazê-los desaparecer do mundo não é. A tarefa é educá-los, mostrar os caminhos, apontar o que eles não conseguem enxergar. Todas nós já passamos por esse momento: a cegueira seguida de uma luz insuportável e só então passamos a enxergar com clareza a luta, os problemas, as questões. E ainda temos muito caminho a percorrer até chegarmos à tão sonhada igualdade. Por que nós podemos ter dificuldades em enxergar essas coisas e eles deveriam enxergar num piscar de olhos? Estamos sendo justas? (Não, o mundo não é justo, mas não é exatamente contra esse mundo que lutamos?)

Não são apenas homens que reproduzem o machismo, mulheres também o fazem, de maneira diferente e por motivos diferentes, mas o fazem. Não é exclusividade do homem ser egoísta. Ou ser ambicioso. Ou passar por cima das pessoas. Ser agressivo. Não existem características unicamente masculinas ou femininas. Não vamos lutar contra essa ideia de que homens e mulheres têm características fixas e imutáveis e passar a olhar por outro ângulo quando nos convém.

Homens precisam saber seu lugar na revolução? Precisam. Homens devem educar homens, não devem decidir nossas prioridades ou como nossa luta deve ocorrer. Mas homens podem dar ideias, podem disseminar conhecimento e dar a dica para as mulheres que os cercam buscarem mais informações sobre o feminismo. Quantas mulheres valorizam mais o discurso masculino do que o feminismo? Uma merda, eu sei, mas é bom tê-los ao nosso lado. O problema é o patriarcado, não os homens.

Por que o patriarcado é tão eficiente? Porque homens e mulheres são mantidos à rédeas curtas. Porque todos nós somos criados sob as mesmas regras e as aceitamos sem questionar. Cada um cuidando para que o que é seu seja protegido. Cada um pensando apenas em si. E qual o sentido disso? Cada um mantém seu papel, sua parcela de poder, sua parcela de culpa e aceita as migalhas que sobram. Homens não são livres. Mulheres não são lives. Pessoas trans encontram ódio por todos os lados. E a gente faz de conta que está lutando por um mundo melhor. Não estamos.

Estamos lutando por um lugar melhor para nós. Estamos lutando e medindo o mundo ao redor do nosso umbigo. Estamos trocando ódio por ódio e a conta nunca sai do negativo. É essa a luta que queremos ter? Contra pessoas? Contra indivíduos que tiveram sua vida destruída, em maior ou menor grau, por um sistema? A luta é contra um grupo de ideias, não contra um grupo de pessoas.

É fácil perder o foco. As lágrimas nos nossos olhos e as marcas das batalhas tornam tudo isso muito simples de acontecer. Mas essas são as pessoas que queremos ser? Não é sobre ser homem ou mulher, não é sobre ser mãe ou não querer ter filhos, não é uma competição sobre quem sofre mais (apesar de ser de extrema importância observar seu papel enquanto opressor nessa sociedade de castas invisíveis); é sobre uma sociedade mais justa.

Os homens existem, eles são parte da sociedade. Alguns deles, inclusive, têm úteros e vaginas – se isso for importante para você. E a transformação passa por eles. Gostando ou não, precisamos do maior número de pessoas interessadas em um mundo melhor para que as coisas realmente aconteçam. Na teoria as coisas funcionam sem eles, no mundo real eles não podem ser desintegrados, então é melhor aceitá-los na luta, definir os limites e seguir em frente lado a lado.

 

Carol Patrocínio

Carol Patrocinio é jornalista, feminista, mãe que educa sem gênero e duas vezes (2015 e 2016) indicada como uma das mulheres inspiradoras pelo site Think Olga. É também co-fundadora da Comum. Facebook: https://www.facebook.com/carol.patrocinio Medium: https://medium.com/@carolpatrocinio Newsletter: http://eepurl.com/b1pyhr

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