Normose: a doença da normalidade

O termo normose foi cunhado pelo psicólogo, teólogo e sacerdote francês Jean-Ives Leloup, um estudioso que dedica a sua vida na imersão do universo interior. Leloup é um defensor ardoroso da conexão entre ciência e espiritualidade, tema ressaltado em seus livros. Esse conceito também foi investigado pelo psicólogo e antropólogo brasileiro Roberto Crema, uma vez que alguns autores mostraram a normose como a “patologia da pequenez”. O psicanalista Erich Fromm falava do medo da liberdade e Carl Jung afirmava que só os medíocres aspiram à normalidade.

A normose, portanto, se constitui em um conceito filosófico ou psicológico no que tange às normas, crenças e valores sociais que causam angústia e podem ser fatais, ou seja, que produzem comportamentos ditos como “normais”, mas que trazem sofrimento e morte na sociedade.

Assim, a normose é a doença da normalidade, que pelo consenso social ou pelo senso comum levam à infelicidade, à doença e à perda de sentido na vida, como algo habitual.

Isso ocorre quando o contexto social se caracteriza por um desequilíbrio dominante, como se verificou no passado e que acontece na sociedade moderna. Já foi normal pessoas se digladiarem até a morte para entreter a multidão, já foi normal queimar mulheres na fogueira por bruxaria, já foi normal escravizar índios e negros, já foi normal tantas outras patologias sociais.

O discurso “normótico” no Brasil segue, hoje, o mesmo padrão desse desequilíbrio dominante, como modo de legitimar as enfermidades da violência econômica e social. Utilizando-se de falácias jurídicas, políticas ou teológicas, como se a “desumanização” fizesse parte imutável do DNA do nosso caráter social. Podemos citar alguns exemplos:

Corrupção: o país perdeu R$ 123 bilhões com os recentes esquemas de desvios de dinheiro público; Crimes ambientais: a Samarco Mineração na cidade de Mariana (MG) derramou mais de 60 milhões de metros cúbicos de lama, acarretando um desastre ambiental sem precedentes na história do Brasil;

Juros: os juros altos contribuíram no ano passado para gerar o endividamento de mais de 53 milhões de consumidores; Desemprego: fechou no semestre deste ano com 13 milhões desempregados; Feminicídio: onze mulheres, em média, são assassinadas todos os dias no país; Homofobia: cerca de 70% dos casos dos assassinatos de pessoas LGBT ficam impunes;
Homicídios: a taxa de homicídios de jovens negros cresceu 23% nos últimos 10 anos.

Mas é possível enfrentar esse sentimento “normótico”? Sem dúvida nenhuma, porque a nossa principal tarefa como seres humanos – é dar luz a si mesmo – para poder se transformar naquilo que realmente somos, em alguém mais nobre, mais forte e mais livre, como percebeu Fromm.

Por fim, é expandir o nosso “numinoso”que permitirá anular a “normose” na sociedade. Segundo Carl Jung, isto é, a nossa experiência de confiar no poder transcendente, que aliado com a nossa consciência onírica e ativa, nos libertará da praga da “patologia da pequenez”.






Jackson César Buonocore Sociólogo e Psicanalista