Este texto propõe refletir sobre os ambientes opressores, angustiantes e enlouquecedores que causam grandes marcas nos sujeitos.
O ambiente opressor e sua lógica enlouquecedora pode estar presente no privado da família, dos amigos, das instituições e das organizações. Sua etiologia certamente tem ligação com um materialismo histórico, mas também tem relação com as experiências subjetivas, sendo que os dois são indissociáveis. Tendo isso em vista, a análise percorre os aspectos psicológicos dos ambientes opressores com a ajuda da psicanálise a partir de uma “brecha” aberta pelas pesquisas da Psicologia Ambiental.
Antes de iniciar, temos que imaginar uma tríade sujeito-lugar-outro: pensemos numa relação de poder em que o sujeito é o oprimido que convive num lugar onde o outro é o opressor. Cuidado essencial devemos ter nesse conceito de opressor e oprimido. Ambos papéis são construídos por um imaginário social, por estereótipos. Na verdade, o opressor pode parecer um oprimido e vice-versa. Acredito que essa definição é mais didática, então devemos ter consciência da diversidade da subjetividade e suas formas de se impor nas relações sociais. Do ponto de vista sociológico, a opressão demarca um território que configura a existência de uma dominação e submissão para vários fins sociais. Essa submissão, nessa concepção, de nenhuma forma é feita por escolha. O oprimido não é oprimido porque quer, mas porque é manipulado. A importância do fomentar da resistência do oprimido tem total valor, nessa conceituação.
A Psicologia Ambiental possui conceitos que abordam apego, enraizamento, identidade ambiental, além de funções cognitivas como a cognição ambiental. Tais conceitos permitem estudar, por exemplo, a importância da customização dos espaços para criar uma identificação com o ambiente, a importância da privacidade e a transformação do espaço em lugar. O espaço seria transitório e temporário, enquanto o lugar, algo mais duradouro e fixo. No espaço nos movemos, nos lugares nos enraizamos e estacionamos.
No entanto, a Psicologia Ambiental, ao sugerir uma identificação do sujeito com o espaço, transformando-o em lugar, aponta uma brecha onde a psicanálise pode realizar uma leitura.
A partir disso, poderíamos formular que o lugar é passível de ser alvo de qualquer fenômeno psíquico inconsciente ligado às fantasmáticas e economias do desejo. Por exemplo, a manifestação da identificação, da projeção e das formações do inconsciente, entre elas: o sintoma.
Pensemos, por exemplo, no caso de uma neurose narcísica. A constituição dessa dinâmica patológica do desejo tem como principal característica a presença de uma primitiva voracidade, inveja, projeção e negação constante, aliada a um processo extremamente alienante de fechamento para com a realidade e existência do outro. Normalmente tudo isso existe para negar e evitar a angústia de um enorme “rombo” no eu que promove um vazio e um sentimento de inferioridade.
Nessa lógica que cria uma mascarada de superioridade ou vitimismo, de acordo com o caso, sua sintomatologia é marcada por se aproximar de uma perversão, não por estrutura psíquica ou relação com a lei, mas precisamente no ponto que o sujeito causa sofrimento no outro e o submete com uma justificativa totalmente fantasmática de onipotência, causando uma tendência da culpa não realizar seu papel psíquico.
Dada rapidamente a conceituação desse quadro clinico, podemos, de certa forma, imaginar a relação de um sujeito, com essa neurose, com o ambiente e com os outros que ali convivem.
Utilizemos um exemplo:
Colegas que dividem o mesmo apartamento, em que um deles, além de possuir uma neurose narcísica – de caráter onipotente -, exerce uma relação de poder – é o dono do apartamento ou possui uma posição mais centralizadora. Há de se imaginar que o lugar estará propício a criar uma relação entre esses, fundamentada numa lógica de dominação e submissão. Porém, isso não diz respeito só à relação entre os dois, o que colocaria ambos como responsáveis por essa configuração. A relação desse colega de quarto também ocorre com o lugar, que representa o dono. Isso porque se o lugar pode ser identificado com o dono, ele possui aspectos simbólicos e imaginários que remetem à neurose do mesmo: o lugar se torna uma extensão do corpo do dono. Aí então observamos uma certa onipresença do mesmo no ambiente, um espectro que envolve o colega de quarto e o coloca numa experiência subjetiva de sempre estar sendo vigiado – permitindo o surgimento de ansiedades persecutórias ou seu extremo na paranoia, além de outros mecanismos esquizo-paranóides. O dono está presente mesmo ausente, mesmo não dialogando com o colega de quarto. A neurose do dono é compartilhada com o colega de quarto não somente pela transferência, mas pela relação com o lugar. Dono e lugar se confundem e engolem o colega de quarto.
Então podemos mesmo refletir o quanto certos ambientes são desorganizadores psíquicos por representarem a dinâmica da psicopatologia de certos sujeitos.
Apesar do exemplo simples, hipotético e “microscópico”, exemplos mais “macroscópicos”, sociológicos e institucionais podem ser formulados e, daí, abrir um campo para a aplicação de uma práxis pautada nas metodologias de libertação e empoderamento já conhecidas pelas ciências sociais e pela psicologia e suas áreas de aplicação.
E você? Já foi vitima de um ambiente opressor?
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