É vísivel na clínica psicológica o aumento no número de idosos que vem procurando processos psicoterápicos como forma de ajuda na superação de problemas. Tal fato, por si só já reflete uma mudança na forma como a velhice vem sendo percebida e das possibilidades vivenciais dessa fase.
Na minha experiência no atendimento aos idosos, os motivos que trazem o idoso para o consultório são os mais variados: problemas de relacionamento, episódios depressivos, ansiedade, processos de luto, relacionamento familiar, necessidade de adaptação ou reabilitação diante de uma doença ou condição de dependência, anorexia, dificuldade para perder peso, sexualidade, perdas cognitivas, alcoolismo, aposentadoria, entre muitas outras.
Como qualquer outra fase do desenvolvimento humano, a velhice é um momento que exige mudanças e adaptações, nas quais estão presentes ganhos, perdas, potencialidades e limitações.
Fase que produz no imaginário humano uma série de concepções, fantasias, crenças, imagens, idéias, sentimentos, etc.
De acordo com nosso contexto sócio-histórico, nossas experiências e histórias de vida e das informações que recebemos das mais diversas mídias, vamos construindo nosso imaginário, lidando com o envelhecimento e com a velhice, seja a nossa ou a do outro.
Mas, afinal, como percebemos a velhice e o processo de envelhecimento?
Será que podemos caracterizar essa população de uma maneira única e geral? Ou temos que pensar numa multiplicidade de condições em que os idosos possam estar vivenciando e que ajudam a definir características mais específicas?
Penso que a segunda possibilidade seja mais tangível que a primeira. Isso porque, dependendo das condições biopsicossociais de um idoso, de sua história de vida, etc, muita coisa pode mudar em relação a forma como ele vive, como é visto em nossa sociedade e quais suas necessidades de ajuda e suporte.
Nesse sentido, a ciência destaca duas condições essenciais: a senescência e a senilidade.
A primeira, caracteriza-se pelo curso natural do envelhecimento, sem a presença de condições patológicas que possam interferir significativamente na qualidade de vida do idoso.
Já a senilidade, manifesta-se pela presença de patologias que alteram o curso normal do processo de envelhecimento, como é o caso das doenças crônico-degenerativas e das demências, por exemplo.
Mas como é feita essa distinção em nossa sociedade?
Para além das definições presentes na área da saúde, essa divisão também é realizada pelo imaginário social, por meio das crenças e concepções acerca da velhice.
Acredito que hoje temos algumas visões bastante opostas. Por um lado há os que veem a velhice como a “melhor idade”, construindo uma imagem positiva, na qual o idoso, afinal, pode desfrutar da vida e do tempo, com saúde e vitalidade. Por outro, existem os que veem essa fase como uma fase de decrepitude, marcada pela solidão, pelas limitações e pela dependência.
Qualquer visão unilateralizada tem seus perigos, uma vez que não permite que também vejamos o outro lado da moeda!
Uma visão estereotipada e negativa em relação ao próprio envelhecimento pode afetar negativamente o autoconceito e a autoestima do idoso, influenciando a forma como lida com situações da vida, suas perspectivas futuras, seu envolvimento social, em atividades prazerosas e seus relacionamentos interpessoais.
Além disso, pode aumentar a probabilidade de conformidade com condições precárias de saúde, diminuindo adesão a tratamentos.
Pode fazer com que o idoso e suas necessidades sejam negligenciadas ou então supervalorizadas e superprotegidas, seja pela família, pelos profissionais da saúde ou pela própria sociedade.
Ao mesmo tempo, uma visão idealizada e extremamente positiva, pode dificultar a elaboração de momentos de dificuldades e perdas, tanto por parte dos próprios idosos, mas também dos que com eles convivem.
Por isso, “envelhecer bem” depende de um delicado equilíbrio entre as perdas e os ganhos vindo com o envelhecimento. É preciso compreender que cada fase da vida tem seus desafios e objetivos a serem cumpridos e isso não é diferente na velhice.
O problema é quando queremos negar essa fase e ficamos apegados a uma imagem de juventude que o próprio corpo físico não suporta mais e então sofremos por não querer seguir adiante. Ou então acreditamos que não existe qualquer desafio e realização pessoal nesta fase e nos entregamos ao tempo e à espera da finitude, sem planos e metas para o futuro.
No atendimento aos idosos no consultório, percebo que nesta fase as pessoas são capazes de fazer um reexame da própria vida; com reorganização e reorientação da personalidade, agora de uma maneira mais realista que em outras fases da vida. Conseguem deixar pra trás as bagagens extras e sem importância e podem recuperar tesouros que foram deixados para trás.
Assim, quando passam a viver de forma mais verdadeira e vinculadas com quem realmente são, assumem maior responsabilidade pelo seu bem estar pessoal, vivendo com mais qualidade.
Quando as perdas são inevitáveis, o atendimento psicológico, seja no consultório, no hospital ou na própria casa do paciente (home care), torna-se um espaço valioso para que possam resgatar os recursos necessários para enfrentar a situação. Além de todo o acolhimento, escuta e cuidado que podem receber nestes momentos tão delicados, imprescindíveis para uma boa recuperação.
Assim, a psicoterapia voltada para a terceira idade se transforma em uma ferramenta preciosa para que os idosos possam enfrentar satisfatoriamente os desafios trazidos por essa nova fase da vida.
Cada passo é uma conquista e acrescentar “vida aos anos” traz maior significado para os anos de vida!
Marcela Alice Bianco – Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Junguiana formada pela UFSCar. Especialista em Psicoterapia de Abordagem Junguiana associada à Técnicas de Trabalho Corporal pelo Sedes Sapientiae. CRP: 06/77338