O beijo nos parece uma forma de carinho corriqueira e universal. Ele aproxima pessoas estranhas, exprime o afeto de familiares, personifica identidades culturais, e até mesmo estabelece o destino de um comparsa no crime organizado como ocorre na Máfia… Pela diversidade dos usos atribuídos ao beijo, tendemos a vê-lo como parte natural da vida de todos os seres humanos, em todos os tempos. Mas, afinal, numa perspectiva objetiva, qual seria a função do beijo em nossas vidas?
Ao que parece, segundo asseguram alguns cientistas, o beijo define a qualidade dos encontros erótico-afetivos. Mas não só isso! O beijo parece ser um alimento para o afeto, um sinalizador do quanto ele pode nutrir uma relação a dois. A origem para esse poder afetivo do beijo estaria no próprio ato de alimentar o corpo.
Segundo o antropólogo inglês Desmond Morris, o beijo teria se originado na relação mãe-filho. Para Morris, o processo de adaptação da criança à alimentação sólida – após o período de amamentação – seria auxiliado pela mãe, que depois de mastigar o alimento que seria dado ao filho, o alimentaria passando a comida da sua boca para a boca da criança. Essa forma de alimentar os filhotes pode ser visto em outros animais como lobos e pássaros. A favor de Morris tem o fato de que muitas tribos em várias partes do mundo apresentam, ainda hoje, o costume das mães alimentarem seus filhos pequenos no modelo boca a boca.
Do ponto de vista psicológico, esse contato das bocas – mãe/filho – associado à alimentação produziria a mesma sensação de conforto, segurança, prazer e satisfação que a criança obtém ao sugar o seio materno. Ou seja, talvez por isso, o ato de beijar na boca nos parece uma confirmação de intimidade entre duas pessoas, uma forma de nos certificarmos se somos aceitos ou não, desejados ou não. Similarmente, se desejamos ou não o outro a quem beijamos.
Ao beijarmos alguém nossos sentidos são inundados por várias informações fisiológicas que sinalizam para o nosso cérebro o quanto desejamos ou não aquela pessoa. Temperatura, textura, pressão, cheiro, gosto, sons, posicionamento do corpo no espaço… De diferentes maneiras, um simples beijo aciona mecanismos neurológicos sofisticados, sejam estes conscientes ou inconscientes. Tais mecanismos permitem ao nosso cérebro avaliar as informações sensoriais desencadeadas pelo contato com o parceiro (a), o que influenciará nossa percepção subjetiva do quanto aquele (a) que beijamos é compatível geneticamente conosco.
A bagagem genética por trás do beijo definirá o sucesso de um encontro, e mesmo o de uma relação. Pelo menos no que diz respeito à eficiência de um casal para gerar uma prole saudável. Isso é o que indica resultados de experimentos científicos recentes. Um beijo aciona células da língua, e de outras regiões da boca, cujas mensagens enviadas ao cérebro e ao corpo provocam emoções e reações físicas intensas. Isso ocorre porque os lábios humanos possuem a camada mais fina de pele do corpo, sendo também uma das áreas corporais com maiores concentrações de receptores e transmissores de informações fornecidas pelos sentidos. Quase 50% dos nervos cranianos envolvidos na função cerebral são ativados quando beijamos. Parcela significativa da informação sensorial transmitida por esses nervos chega ao córtex somatossensorial – área da superfície cerebral responsável pela leitura das informações vindas do corpo.
O corpo envolvido na ação de beijar desencadeia a regulação de um coquetel de substâncias químicas como o cortisol (associado ao stress) e a ocitocina (associada às relações sociais e à estimulação sexual). Alguns experimentos, por exemplo, mostraram que os níveis de ocitocina aumentam no organismo masculino depois de beijar. Ao contrário, o beijo faz cair os níveis de cortisol para ambos os sexos, indicando que o beijo pode reduzir o stress. Uma explicação para isso seria o fato de que o beijo está, evolutiva e psicologicamente, ligado à afetividade. Assim, beijar aumenta a produção de neurotransmissores envolvidos nas sensações de prazer e euforia, e na motivação para a criação de vínculos.
O poder do beijo de gerar prazer e euforia foi demonstrado pela antropóloga Helen Fisher, que se dedica ao estudo dos efeitos da paixão e do amor no cérebro humano. Por meio de tomografia, Fisher e seus colaboradores identificaram uma atividade incomum em duas regiões cerebrais de voluntários enquanto eles observavam fotos daqueles por quem estavam apaixonados. As regiões do cérebro, em questão, são a área tegumentar ventral direita e o núcleo caudado direito, que estão associadas ao prazer, à motivação e à recompensa. Drogas como a cocaína também ativam essas áreas, promovendo a liberação do neurotransmissor dopamina.
Logo, poderíamos pensar na paixão como uma espécie de droga que gera prazer e euforia. O beijo, como expressão primária da paixão, seria responsável por desencadear, fisiológica e psicologicamente, o processo excitatório dessas regiões cerebrais. Fisiologicamente o beijo aumenta a pulsação e a pressão sanguínea, dilata as pupilas e provoca um aprofundamento do ritmo respiratório. Essas reações favorecem o deslocamento do foco de pensamento das reações racionais para as emocionais. Ou seja, psicologicamente, beijar minimiza as defesas emocionais que nos tornam mais cautelosos e inibidos. Quando nos entregamos num beijo nos tornamos menos racionais e, por isso mesmo, mais suscetíveis aos encantos do outro.
O poder de encantamento de um beijo, ao contrário do que alguns possam pensar, não depende de técnicas, mas da compatibilidade genética dos parceiros. Talvez por isso quem é bom beijador para uns pode não ser para outros. Do ponto de vista evolutivo, o beijo seria uma estratégia de acasalamento que nos ajuda a avaliar um possível parceiro sexual e, quem sabe, futuro pai/mãe dos filhos que se pretende ter. O beijo, portanto, seria uma espécie de termômetro da relação, quanto mais entusiasmado o beijo mais chances teria a relação de ser satisfatória. Tanto é que a área tegmentar ventral – aquela que “acende” quando sentimos prazer e que pode ser ativada quando beijamos – continua se destacando nas imagens do cérebro de casais que há muito estão juntos e satisfeitos com suas relações.
O segredo dessas relações de amor eterno poderia, segundo alguns cientistas, residir na qualidade do beijo percebida pelos parceiros. Se um beijo arrepia os pelos do corpo, retira as amarras da inibição e destranca o cadeado do coração é porque genes compatíveis entraram em ação. A compatibilidade genética de um casal parece ser determinada pela análise de genes chamados MHC que, a princípio, parecem influenciar o odor e a saliva. Esses genes controlam como o sistema de defesa do organismo reconhece e combate elementos nocivos como fungos e bactérias. Se esses genes forem muito parecidos nos parceiros, há incompatibilidade genética. Isso mesmo! Para garantir mais chances de sobrevivência dos filhotes gerados por um casal, a ideia é que haja diversidade nos genes MHC. Ou seja, quanto mais diversificados forem os genes de defesa a serem passados para o herdeiro mais chances ele tem de ser resistente à várias doenças.
A lógica da evolução é: quanto mais diferente geneticamente o casal mais provável de os parceiros se reconhecerem como iguais. Ou, na melhor das hipóteses, como compatíveis para exercer a função de procriadores. A sobrevivência da espécie agradece ao beijo!
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