Frases de Nelson Rodrigues em crônica no jornal O Globo, nos anos 50, antes da seleção embarcar para jogar na Suécia:
“Por “complexo de vira-latas” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol.”
“Eu vos digo: — o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo.”
“O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender.”
Reescrevendo Nelson Rodrigues:
O problema do Brasil não é de trabalho, nem de técnica, nem de competência. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo.
“Complexo de vira-latas” explica muita coisa. Devemos essa descoberta ao Nelson Rodrigues, de “A vida como ela é”, entre outras obras. O complexo de vira-latas teria ido para o espaço com a conquista da Copa do Mundo de 1958, com os 50 anos em cinco, do Presidente Juscelino, a industrialização do país, e por aí vai. Mas o cronista Nelson Rodrigues teria muito assunto nos dias de hoje (especialmente depois dos 7 a 1 da Alemanha). Sempre que ponho no meu blog ou no Facebook algum exemplo de modificação em larga escala de práticas culturais alguém escreve que no Brasil não daria certo.
Preservar o meio ambiente? “Não vai dar certo no Brasil”. Controlar a venda e o porte de armas? “Não vai dar certo no Brasil”. Diminuir a desigualdade econômica? “Não vai dar certo no Brasil”. Diminuir gastos com saúde aumentando impostos sobre bebidas e cigarros? “Não vai dar certo no Brasil”.
Programas governamentais visando mudanças rápidas em práticas culturais para combater o mosquito da dengue? “Não vai dar certo no Brasil”. Planejar pensando no longo prazo e construir rodoaneis e anéis ferroviários nas metrópoles como São Paulo? “Não vai dar certo no Brasil”. Garantir que as agências que fiscalizam as barragens façam isso? “Não vai dar certo no Brasil”. Garantir que as leis sejam obedecidas pelos governos? “Não vai dar certo no Brasil”.
O futuro sempre depende de nossa confiança. Como alguém vai investir no futuro quando ninguém acha que alguma coisa vai dar certo no Brasil? Sem acreditar nas promessas dos políticos de qualquer coloração, o povo, apático, trata apenas de seu dia-a-dia: credibilidade depende da experiência e nossa história recente é deprimente.
Não dá para acreditar no planejamento do governo, muito do orçamento aprovado é wishful thinking. Não se leva a sério precisão e controle, fator básico nas ciências naturais, mas quase nunca presente nas ciências humanas, mais dedicadas a explicar do que prever. Evitar, garantir e prevenir dependem de prever e controlar.
O povo vai começar a se levar a sério quando começar a ser levado a sério por seus governos.
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