Por Natália Marques
O sinal da cruz dos cristãos, o prostrar-se dos muçulmanos durante as orações, a cerimônia de circuncisão realizada pelos judeus e o jejuar, realizado por diversos grupamentos religiosos, são exemplos do que a nossa cultura designa como comportamento religioso. Esses comportamentos integram o repertório comportamental de diversos indivíduos que compartilham um ambiente social comum, o qual pode ser uma cultura, enquanto grupo social, ou seus produtos, tais como literatura, arte, política, tecnologias ou sistema de produção.
Em uma perspectiva analítico-comportamental, o comportamento religioso pode ser entendido como qualquer comportamento verbal ou não verbal que envolve a formação de relações de causalidade entre eventos físicos e eventos que, supostamente, não obedecem às leis naturais.
Como apontou Skinner (1953/1981), relações comportamentais que envolvem o controle verbal são mais propensas a envolver a formação de relações de causalidade entre eventos independentes entre si. Segundo esse autor, comportamentos cujo reforço é socialmente mediado provem contingências únicas. Contrariamente, para o caso de comportamentos cujo reforço é mecanicamente produzido pela resposta, tais como “arremessar um objeto”, a consequência (nesse exemplo, “objeto longe”) ocorre inevitavelmente, sempre que a resposta ocorrer.
Entre a contingência única e a contingência que recorre inevitavelmente, conforme destacou Skinner (1953/1981), “há um contínuo que não pode ser dividido rigidamente em nenhum ponto para se distinguir entre ‘superstição’ e ‘fato’” (pág. 333). Em outros termos, relações entre eventos que se repetem de forma relativamente uniforme e com maior recorrência tornam mais prováveis que descrições precisas dessas relações sejam produzidas. Relações entre eventos que ocorrem poucas, ou até mesmo apenas uma única vez, por outro lado, possibilitam a elaboração de descrições imprecisas e, algumas vezes, místicas, visto que podem relacionar de forma causal eventos que são independentes.
Essa análise da susceptibilidade à formação de relações acidentais por parte de fenômenos comportamentais que envolvem variáveis verbais lança luz à compreensão dos processos comportamentais que possibilitam a formação e manutenção de crenças e mitos religiosos. Assim, é provável que uma parcela das fontes de controle do comportamento religioso provenha desse tipo de relação acidental entre variáveis funcionalmente independentes, relacionadas apenas verbalmente.
Apesar de, possivelmente, relações acidentais participarem das contingências que controlam a ocorrência dessa classe de comportamentos, destaca-se que a presença do controle verbal possibilita uma série de relações contingentes que exigem cautela à análise do comportamento religioso tendo por base exclusivamente a noção de seleção acidental ou comportamento “supersticioso”, aos moldes do que foi descrito por Skinner (1948). Tal apontamento remete-nos a uma segunda consideração para a análise de comportamentos religiosos: esses são eminentemente sociais.
Conforme destacou Herrnstein (1966), os padrões comportamentais religiosos são produtos de uma aprendizagem social. Segundo o autor, o processo de “aculturação” – ou seja, o extensivo processo educacional que antigos membros de uma cultura oferecem aos novos membros – parece incluir a aprendizagem de superstições (p. 45), o mesmo valendo para comportamentos religiosos. Além de aprendidos socialmente, comportamentos religiosos parecem ser, em grande medida, mantidos por consequências mediadas socialmente, seja por um grupo, por outro organismo ou pelo próprio sujeito que se comporta, sob controle de aprendizagens sociais anteriores.
Essas consequências podem vir na forma de reforços positivos (ex. prestígio no grupo), reforços negativos (ex. esquiva de supostas punições divinas), punições positivas (ex. críticas do grupo social ou do próprio sujeito que se comporta), punições negativas (ex. perda de títulos ou funções no grupo) ou extinção (ex. ostracismo social para membros “desviantes”).
Assim, o controle social parece exercer um papel fundamental na instalação e manutenção de comportamentos religiosos, estabelecendo relações de contingência entre o responder e uma série de consequências que, ao longo da vida do indivíduo exposto à aprendizagem dessas relações, se tornaram muito importantes. Em suma, diversas variáveis podem ser apontadas como importantes fontes de controle do comportamento religioso, incluindo variáveis verbais, outros tipos de controle social e relações acidentais, as quais podem, isoladamente, influenciar mais ou menos o comportamento, a depender da instância comportamental em análise.
Imagem de capa: Shutterstock/AstroStar
TEXTO ORIGINAL DE COMPORTE-SE
Referências
Herrnstein, R. J. (1966). Superstition: a corollary of the principles of operant conditioning. In W. K. Honig (Ed.), Operant Behavior: areas of Research and Application (pp. 33-51). New York: Appleton-Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1948). “Superstition” in the pigeon. Journal of Experimental Psychology, 38, 168-172.
Skinner, B. F. (1981). Ciência e Comportamento Humano. (J. C. Todorov & R. Azzi, Trads.). São Paulo: Martins Fontes, 5ª. ed. (Originalmente publicado em 1953).
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