O conceito de doença mental é um mito, diz autora de estudo antipsiquiatria no Canadá

Por Nick Arnold

Eu não uso as palavras ‘saúde mental’. Eu estremeço toda vez quando as escuto”, diz Bonnie Burstow.

Ouvir ela dizer isso foi como um soco no estômago.

Burstow é professora associada da Universidade de Toronto, no Canadá, onde recentemente lançou o primeiro programa de estudo no mundo de antipsiquiatria. Em seu trabalho como psicoterapeuta, Burstow ajudou centenas de pacientes “altamente suicidas”, segundo ela. E acredita que o tratamento psiquiátrico convencional não é a melhor opção.

Burstow é uma figura conhecida no campo da antipsiquiatria, que ela descreve como “um movimento de sobreviventes e profissionais psiquiátricos dizendo que precisamos abolir a psiquiatria”.

Quando ouvi sobre Burstow e o movimento da antipsiquiatria, estava cético, senti até raiva. Num momento em que o mundo finalmente começa a prestar atenção na gravidade incapacitante de algumas condições mentais, a última coisa que precisamos, pensei, é um grupo de dissidentes querendo dar três passos para trás.

‘Anormalidade biológica’

As reações ao anúncio do novo programa de Burstow foram mistas.

A psiquiatria convencional entende que anormalidades biológicas (como desequilíbrios químicos), juntamente com fatores psicológicos e sociais, podem levar a transtornos mentais como distúrbio bipolar, depressão e esquizofrenia.

Conversei com o professor Carmine Pariante, do britânico Royal College of Psychiatrists. Ele disse que “olhar para esse complexo modelo biológico, psíquico e social, e olhar para estes componentes conjuntamente” é a melhor maneira de lidar com questões de saúde mental.

Essa abordagem é amplamente aceita, e eu pessoalmente a reconheço tanto por causa do meu tratamento e das muitas conversas que tive com meu colega de apartamento, que é psiquiatra. Mas o movimento anti-psiquiatria questiona se as doenças mentais realmente são doenças.

Será que ela pensa que a dor que sinto diariamente é totalmente ficcional?

“Não”, diz Burstow. “Eu acredito que as pessoas têm ansiedade? Acredito que as pessoas têm compulsões? Claro. Mas acredito que esses sentimentos são normais do ser humano na forma de experienciar a realidade.”

Burstow ainda defende: “Temos uma falsa noção do que é normal. As pessoas se comparam com o que dizem ser normal, e isso não é nem vagamente o que a maioria das pessoas sente”. Eu consigo entender parte do que Burstow está dizendo. Antes de ser diagnosticado com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), a última coisa que eu me sentia era “normal”.

Se eu soubesse antes que os tipos de pensamentos intrusivos dos quais eu sofro são, na verdade, bem comuns na sociedade como um todo, talvez tivesse evitado anos de tormento.

Indústria da psiquiatria

Burstow argumenta que “se 99% das pessoas no mundo não são consideradas ‘normais’, isso favorece a psiquiatria, porque isso dá a ela uma enorme clientela”.

O movimento antipsiquiatria também acredita que existe uma medicação desenfreada entre psiquiatras. Um relatório recente estima que o mercado global de drogas para a depressão, que estava avaliado em US$ 14,5 bilhões (R$ 47 bilhões) em 2014, vai gerar US$ 16,8 bilhões (R$ 54,7 bilhões) em receitas em 2020.

“A psiquiatra entende coisas como biológicas quando elas não o são. Quando dizemos ‘saúde mental’, isso significa que os problemas das pessoas têm relação com doenças”, critica Burstow, que, em sua visão, “não são doenças”.

Há controvérsias entre profissionais médicos sobre isso.

Existem evidências de que os transtornos tendem a ocorrer em famílias, e estudos com gêmeos sugerem que o transtorno bipolar está “entre os distúrbios médicos mais hereditários”. O professor Pariante acredita que é apenas uma questão de tempo até que as condições de saúde mental sejam provadas como influenciadas pela genética (pelo menos em parte).

Mas o movimento antipsiquiatria rejeita isso.

Paola Leon, que há 25 anos pratica a psiquiatra em Toronto diz: “A vida pode ser difícil. Mas começamos a diagnosticar determinadas reações e comportamentos como ‘doença mental’, mas, mesmo que sejam dolorosos, são parte da condição humana”.

Burstow também fica preocupada com o que ela chama de “poder assustador” da psiquiatria.

“(A psiquiatria) tem o poder do estado para encarcerar quando se decide que alguém é mentalmente doente. Tem o poder de trancar alguém, de tratar pessoas contra a sua vontade”, afirma.

Quando trago esse argumento ao professor Pariante, ele responde: “Quando existe um risco real de alguém se ferir ou ferir outras pessoas, como que eu posso deixá-lo desassistido, numa situação em que eu poderia ajudar?”.

Terapia de fala

Mas Burstow insiste que há outras maneiras de tratar as pessoas.

O movimento antipsiquiatria advoga por mais terapias com base na fala, mesmo para condições muito debilitantes como a esquizofrenia. Não sei se estou convencido disso. Conheci muitas pessoas que se beneficiaram da medicação, sem mencionar outros que recusaram a tomá-la e se tornaram perigosos para si próprios.

Os oito meses de terapia cognitivo-comportamental pela qual eu passei certamente me ajudaran a lidar com meus problemas mentais, mas eu sinto que boa parte foi o de entender que o que acontecia comigo era uma “doença”: o TOC. Ela me deu uma explicação para os meus sintomas.

Desde então, eu questiono a eficácia de vários exercícios que fiz na terapia e, com minha saúde mental ainda abaixo do esperado, estou agora esperando na lista para uma forma diferente de tratamento de fala, a psicoterapia. Talvez a forma como vou melhorar é abordar minha vida como um todo, e não apenas focando no meu TOC.

O “diálogo aberto”, uma forma de tratamento pioneiro na Finlândia, está sendo testado pelo NHS, o serviço público de saúde britânico. Ele não rejeita completamente a medicação, mas coloca uma ênfase maior na rede social do paciente, incluindo sua família e amigos. Em vez de o paciente se encontrar sozinho com o profissional de saúde mental, eles trabalham em conjunto com sua rede.

Essa abordagem é semelhante à defendida por Burstow, de usar a “comunidade” para ajudar as pessoas.

A maioria dos psiquiatras não se convence da anti-psiquiatria.

Para Allan Young, diretor do Comitê Especial de Psicofarmacologia no Royal College of Psychiatrists, por exemplo, esse movimento vai se tornar popular e depois perder força com o tempo. Ele acredita que os antipsiquiatras são um grupo isolado, e os chama de uma miscelânea que inclui desde “pessoas fora da realidade” com ideias estranhas sobre saúde até psiquiatras e outros profissionais de saúde mental.

Ainda estou buscando a maneira mais eficaz de lidar com meu transtorno mental, e não posso deixar de sentir que descartar completamente o movimento anti-psiquiatra seria um desserviço para aqueles que sofrem com esses problemas. No mínimo, está suscitando discussões sobre novas formas de tratamento. O caminho de cada um para a saúde é diferente, e descobrir o melhor para você – qualquer que seja – é o que realmente importa.

Imagem de capa: Shutterstock/KieferPix

TEXTO ORIGINAL DE BBC






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