“Não sei, não sei. Não devia de estar relembrando isto, contando assim o sombrio das coisas. Lenga-lenga! Não devia de. O senhor é de fora, meu amigo mas meu estranho. Mas, talvez por isto mesmo. Falar com o estranho assim,
que bem ouve e logo longe se vai embora, é um segundo proveito: faz do jeito que eu falasse mais mesmo comigo…”
(João Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas)
À primeira vista pode ser de se estranhar o fato de um sujeito procurar um “estranho” para compartilhar sua história, seu sofrer, suas dores e amores. Entre o paciente e o analista cria-se um relacionamento que produz intimidade e confiança por parte do paciente. E, ao mesmo tempo, para fazer um bom trabalho, o analista precisa manter certo distanciamento, retirando-se afetivamente
da relação.
Exatamente por isso que trata-se de uma relação profissional, diferente de todas as outras relações que o sujeito estabelece na sua vida: no setting terapêutico não há certo e errado, proibido e permitido no que diz respeito às palavras. Quanto mais espontâneo e sincero o paciente conseguir ser em seu dizer de si, mais ele terá êxito em sua autoanálise.
E isto não é para qualquer um: despir-se de suas amarras, adentrar-se nos recônditos de sua mente requer a coragem para ver-se e rever-se. Durante este percurso, o analista acompanha o paciente ao revisitar os capítulos de sua história, sente o que o paciente está sentindo, experiencia a vida junto com ele, sob o seu olhar…No entanto, tem o único propósito de
compreender o paciente e devolver esta compreensão a ele, refletida como que em um espelho, sem deixar-se envolver-se pelas emoções dolorosas que ali os circundam.
Não se trata de algo simples, pois o que é da ordem do humano exige certa complexidade: o sujeito está em constante construção, refinando seus valores e tendo de se adaptar às constantes transformações que a vida em sociedade impõe. Mas, penso que tudo o que vale mesmo a pena exige sacrifícios, e abrir mão de certas coisas para conquistar outras é algo difícil de se encontrar nos dias de hoje. Por isso mesmo há algo que deverá estar presente no paciente que se propõe a iniciar sua autoanálise: o desejo. Desejo de autoconhecimento, desejo de responsabilizar-se, desejo de mudança.
Ao dar voz ao paciente e favorecer que seus recursos internos venham à tona, o analista oferece a ele a possibilidade de encontrar novas maneiras de enfrentar a vida. Por fim, o “estranho” que importa ao paciente pode estar mais presente nele mesmo do que no analista. E, sem esta estranheza não há o desejo de mudar e, portanto, não há análise.
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