O generoso se vicia em receber elogios decorrentes de sua capacidade de abrir mão do que lhe pertence em favor de outras pessoas. Como os elogios nos fazem muito envaidecidos, nos empurram na direção de buscarmos quantidades cada vez maiores de elogios semelhantes. Na prática, as pessoas generosas vão ficando muito dependentes da avaliação positiva dos outros, de modo que passam a tolerar mal a dor relativa à desaprovação das pessoas.
De uma forma progressiva vão se tornando obrigadas a agir de acordo com o que os outros esperam delas para não terem que passar pela humilhação relacionada com a crítica. A pouca tolerância à crítica torna as pessoas generosas muito dependentes do meio exterior e, de repente, portadoras de um novo tipo de fraqueza. Sim, porque não conseguem agir em benefício próprio nem mesmo quando isto está mais do que justificado e quando é esta a vontade delas. É interessante observar que uma das coisas que mais ofende um generoso é ser chamado de egoísta!
O generoso consegue ultrapassar o primeiro obstáculo na direção de se tornar uma criatura verdadeiramente forte na medida em que é capaz de tolerar bem as dores e frustrações inevitáveis da nossa existência. Porém, tropeça no obstáculo seguinte, uma vez que fica muito dependente da aprovação das pessoas, viciado em elogios derivados de sua capacidade de renunciar.
Como resultado disto, tenderá para ser o oposto do egoísta, ou seja, incapaz de agir de modo ponderado e desequilibrando a balança da justiça na direção oposta. Se o egoísta não pode deixar de receber porque é fraco e necessitado, o generoso não pode deixar de dar porque não suporta as críticas que recebe quando age em causa própria. O resultado final é que o generoso também se torna escravo de seu modo de ser e da aprovação dos outros.
Quem depende demais deste tipo de aprovação não pode agir com liberdade. Podemos dizer que livre é aquele indivíduo que pode agir de acordo com suas próprias opiniões. Nem sempre nossas opiniões coincidem com as das pessoas que nos cercam. Se não pudermos desapontá-las de forma alguma, seremos obrigados a abrir mão de nossas convicções, condição na qual nos sentiremos tristes.
E, o que é mais grave, isto poderá nos levar a alterar o curso de nossas vidas de uma forma que também nos trará grande infelicidade. Por exemplo, se uma moça generosa deseja se tornar uma atriz e sua família achar que se trata de uma carreira indigna e indecente – o que mesmo hoje em dia ainda pode acontecer – ela estará diante de um sério dilema. Se não puder magoar e decepcionar seus pais, terá que renunciar aos seus projetos. Para executá-los, terá que enfrentar a dor relacionada com a perda da admiração deles.
Enfrentar este tipo de dor é, para a maior parte das pessoas generosas, um obstáculo enorme. O egoísta talvez não perceba sua dimensão porque, em defesa de suas necessidades, não se ocupa dos sofrimentos que impõe ao outro. Desapontar pessoas queridas, cuja admiração nos é muito gratificante, pode ser fundamental para que possamos agir de acordo com nossos desejos mais fortes. É legítimo fazê-lo, de modo que não se trata de ser egoísta – que é aquele que se apropria do que não lhe pertence.
Trata-se de exercer a própria vontade numa condição em que isso é legítimo. Acontece que, mesmo sendo legítima, poderá estar em desacordo com a opinião dos outros. É neste momento que o generoso terá que renunciar a esta postura extrema e se tornar uma criatura justa. Ou seja, tornar-se capaz de atribuir iguais direitos a si e aos outros, abandonando a tendência de abrir mão do que lhe pertence.
O forte, aquele que tolera as frustrações – tolerar não significa gostar delas; significa apenas não fugir da rota com o intuito de evitá-las – e também aquele que não abre mão dos seus direitos nem mesmo por medo de perder a admiração e o amor das pessoas, é um tipo humano que não é nem egoísta e nem generoso. É o justo.
E o justo é também o indivíduo livre, o que tem força interior para tentar agir de uma forma coerente com o que pensa. Sem subestimar as dificuldades que possamos ter para chegar a ser um forte, penso que deveríamos nos programar para tentar atingir este objetivo interior. Quanto mais próximos estivermos deste ideal, mais bem equipados estaremos para enfrentar a fascinante aventura de viver.
TEXTO ORIGINAL NO SITE DO AUTOR
(Trecho do livro “Os Sentidos da Vida”, p.48-50)
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