Por Germana Belo
“Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil”. – Clarice Lispector
O amor apresentado enquanto condição sine qua non da felicidade há séculos nos faz caminhar pela vida como os andróginos amputados da mitologia grega – aqueles seres primordiais que após causarem a ira dos deuses foram divididos em dois e condenados a passar o resto da existência em busca de sua outra metade.
Acreditamos no amor como promessa de completude. Acreditamos que existe alguém, em algum lugar, que tem/ é aquilo que nos falta; o encaixe perfeito. E nos lançamos incessantemente nessa busca até encontrarmos aquele que se apresenta como tal. Não invariavelmente, porém, o encontro logo vira desencontro, pois a promessa não se cumpre. E, assim, seguimos procurando, enquanto colecionamos dores e frustrações de relacionamentos que “não deram certo”… Uma sucessão de pessoas “erradas”… Será?
Freud, no início de sua obra, já evocava o Mito do Andrógino para expressar a ideia de que para os humanos o amor se configurava como a via privilegiada para se chegar à felicidade plena. Mas adiante, contudo, vai afirmar o caráter de desassossego que o amor pode produzir, algo da ordem do impossível inerente às relações amorosas. A matemática que não se resolve… Pois há algo no amor de dois que não pode fazer um. E, assim, entre um amor e outro, o que se encontra é a repetição de um fracasso, pois a realização amorosa nunca é definitiva.
O que compromete o laço amoroso, porém, está para além dessa impossibilidade. O fracasso das relações está na nossa própria dificuldade de assumir sua falha. Na tentativa de renegá-la, amamos a partir de um ideal, estabelecemos relações imaginárias, onde imagens do eu e do outro se confundem. Exigimos provas de amor, mas não nos damos por satisfeitos, “porque não se trata de ser amado, mas, sim, de querer ser amado do modo pelo qual se imagina que se deva ser amado.” Qualquer particularidade do outro tem de ser apagada para que se mantenha a fantasia de unidade.
A dificuldade está em viver um amor que se dirige ao ser do outro em sua singularidade. Um amor que se dá na diferença, onde dois não fazem um, mas dois. Um amor como campo onde se entra não com algo a mais para dar ou receber, mas com algo a menos. Dizia Lacan, “Amar é dar o que não se tem” e, portanto, reconhecer a própria falta. Aquela falta que o outro não preenche, que nada preenche. A dificuldade está em viver o amor apesar dessa falha, onde a possibilidade de se sentir completo, de viver a relação perfeita, não existe. De aceitar que a plenitude do encontro é fugaz e que, mesmo que tudo seja flores, ainda temos que lidar com os espinhos.
No navegar impreciso da vida, mais bem sucedidos seríamos se embarcássemos em nossas histórias – cada um com sua bagagem – aceitando que em alto-mar há os dias de sol, chuva, tempestades e calmaria, e que nesse caminho do encontro o horizonte não nos reserva a felicidade definitiva, mas algumas verdades sobre nós mesmos que, ao longo da viagem, vamos revelando com a ajuda do outro.
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