Por Germana Belo
“O seu olhar me olha… O seu olhar melhora o meu…” – Arnaldo Antunes
O olhar precede o gesto e a palavra. Muito antes de sermos capazes de coordenar nossos movimentos no espaço ou organizar o pensamento em linguagem, podemos ver um outro que nos olha e que, como um espelho, nos confirma que somos um, um inteiro no mundo. Nessa identificação com a imagem alheia nos constituímos e, ao longo da vida, passamos a buscar nesse outro a validação do que somos e o que queremos ser. É o olhar do outro que nos faz sujeito afirmando nossa existência simbólica, mas que se hora nos liberta, também pode nos aprisionar em uma idéia deturpada de nós mesmos.
Da filosofia de Sartre à psicanálise de Freud e Lacan, a questão do olhar ocupa lugar primordial na discussão da constituição do sujeito, e ainda que tais teorias caminhem em direções distintas, convergem na idéia de que a dialética do olhar, essa relação do nosso olhar com o do outro é fundamental, e é o que nos constitui enquanto ser. É nesse jogo de espelhos, nas identificações que colecionamos, que construímos aquilo que chamamos de “eu”.
Em uma realidade ultra-conectada, onde a dinâmica das relações adquiriram outra dimensão através da tecnologia, na realidade das redes sociais, das selfies e curtidas, onde vivemos uma cultura do ver e ser visto, talvez, mais do que nunca, a função do olhar se faça presente, determinando a maneira como nos enxergamos e como nos afirmamos no mundo.
O problema é que nesse contexto tal função encontra-se cada vez mais subvertida, deixando de agir como potência criadora em nossas vidas e nos aprisionando em um desejo emulado que insiste em apontar aquilo que nos falta. Com frequência, nos oferecemos ao olhar do outro indiscriminadamente só para termos como resposta o quanto não somos bons o suficiente, bonitos o suficiente, bem sucedidos o suficiente, etc. Na busca por aprovação, nos expomos a encontros infelizes que esvaziam toda possibilidade de vivermos algo que reafirme nosso valor e, assim, nos alienamos no olhar desse outro que nada tem a nos oferecer além da negativa de amor.
O senso comum concorda que para ser amado é necessário amar a si mesmo antes de tudo. Porém, esse discurso ignora o fato de que na origem do amor a si existe um olhar primeiro de valia que em um determinado momento (mítico que seja) nos fez sentir um ser especial. A construção da auto-estima não se dá de outra maneira que não pela repetição desse olhar no decorrer de nossas vidas, e assim como nossa identidade só pode ser construída nessa relação com o outro.
Sendo assim, cabe a nós buscarmos dentre esses tantos olhares aos quais nos oferecemos todos os dias aqueles que possam nos trazer algo genuinamente positivo. Cabe a nós buscarmos aí os bons encontros, que a partir de forças agregadoras fomentem na gente tudo aquilo que diz respeito à vida, a união e a ligação. Olhares que, como diz a música de Arnaldo Antunes, melhoram o nosso olhar… Nosso olhar sobre nós mesmos. São esses que entrarão em nossas vidas promovendo as identificações que como novas peças do mosaico que nos constitui ajudarão a nos tornarmos melhores versões de nós mesmos, das quais poderemos, enfim, nos orgulhar.
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