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O poder do “não positivo”

Gosto imensamente dos livros de William Ury, um dos maiores especialistas do mundo em resolução de conflitos. Seu livro “The power of Positive No” (Bantam Books, NY 2007) traz conceitos importantes, apresentados de modo tão prático que resolvi sintetizá-los neste artigo.

O principal desafio: como conseguir o que queremos, com pessoas difíceis ou em situações complicadas e, mesmo assim, cuidar do relacionamento?

Muitas pessoas acham difícil dizer “Não”. Por quê? Quando nos acomodamos, somos dominados pelo medo ou pela culpa; quando atacamos com críticas ou explosões, somos dominados pela raiva. Ou então evitamos a questão: nada dizemos, nem sim, nem não. São as três armadilhas mais comuns quando achamos difícil lidar com o “Não”.

A saída é aprender a usar o “Não Positivo”: exercer nosso poder e cuidar da relação. O “Não” comum começa e termina com “Não”; o “Não positivo” começa e termina com “Sim”. O primeiro “Sim” é para proteger o que é importante para nós, expressar o que queremos; o “Não” afirma nosso poder ao colocar limites claros e o “Sim” final é para melhorar o relacionamento.

O “Não Positivo” equilibra poder e relacionamento a serviço dos nossos interesses. Sua base é o respeito, por nós mesmos e pelo outro.

A principal dificuldade ao dizer “Não” é começar por ele, em vez de focar o “Sim” a nossos princípios e ao que é realmente importante para nós. O poder do “Não” surge do poder do “Sim”. Isso significa passar de uma postura reativa para uma proativa, perguntando a nós mesmos o que é realmente importante, quais são as prioridades, o que é certo para nós.

Em que valores, necessidades e interesses se enraíza nosso “Sim”, que dará força ao “Não”? A que estamos dizendo esse “Não”? Essa reflexão nos ajuda a tomar conta dos nossos sentimentos e “subir para a galeria”, para ter uma visão mais clara e calma da situação. Assim, conseguiremos ver melhor o “Sim” que está na raiz do “Não” que queremos dizer.

Não é bom deixar que os sentimentos nos dominem: o medo nos paralisa, a raiva nos cega, a culpa nos enfraquece. É essencial ouvir o que dizem nossos sentimentos e aprender a lidar com eles, nesse encontro conosco mesmos, antes de dizer “Não” ao outro. De Ghandi: nossa raiva pode ser transformada em poder que consegue mudar o mundo. Em vez de explodir de raiva de modo impulsivo, vale conservar essa energia preciosa como combustível para ações eficazes. Na verdade, a ansiedade, o medo e a raiva são energias que podem ser transformadas para agir a nosso favor, e não para reagir de modo intempestivo e destrutivo.

Ao buscar as raízes mais profundas desse primeiro “Sim”, nosso “Não” será a favor de nossas necessidades, em vez de ser contra o outro. O poder do “Não” é positivo quando se fundamenta em proteger nossas necessidades, em vez de querer frustrar ou punir o outro.

Dizer “Não” de modo eficaz revela a decisão de buscar a satisfação de nossas necessidades, independentemente da cooperação do outro. Para isso, precisamos de um Plano B: caso o outro não colabore, o que faremos? Na linguagem de negociação, essa é a BATNA (“Best alternative to negotiated agreement”). Por exemplo, se estamos dizendo “Não” para uma conduta abusiva do chefe, nosso Plano B é tentar uma transferência para outro setor da empresa. O Plano B, portanto, é nosso último recurso, uma alternativa de ação que poderemos adotar caso o outro não coopere. Ao elaborar o Plano B, é importante suspender a crítica às ideias que surgem, porque isso inibe a criatividade: inventar primeiro, avaliar depois. É importante deixar as ideias surgirem livremente, mesmo que pareçam loucas.

Depois de se preparar para dizer “Não”, o desafio seguinte é preparar o outro para dizer “Sim” para seu “Não”. Para isso, é fundamental adotar uma atitude positiva de respeito que se traduz em: ouvir atentamente o outro, reconhecer seus pontos de vista e seus sentimentos. Não significa gostar do outro, concordar com suas ideias ou aceitar suas posturas, apenas valorizá-lo como ser humano. Quanto mais intenso for o “Não”, mais respeito pelo outro será necessário transmitir. É o que abre a mente e o coração do oponente.

O reconhecimento dá o tom construtivo para a conversa difícil. É um convite para transformar a conversa difícil em diálogo construtivo, que beneficiará ambos os lados. Por exemplo: “Quero entender melhor seu ponto de vista para que possamos trabalhar juntos de modo mais eficaz”. Com isso, explicitamos uma visão otimista do futuro da relação. Portanto, o “Não Positivo” começa com uma afirmação do seu “Sim”, coloca o limite e termina com uma proposta positiva para o relacionamento.

O “Sim” inicial tem como objetivos afirmar suas intenções e explicar ao outro a razão do seu “Não”. A essência do “Não Positivo” é afirmar sem rejeitar: explicitar nossos interesses sem rejeitar o outro como pessoa. O “Sim” inicial é essencial para alcançar esse equilíbrio delicado. No decorrer desse processo, é importante não acusar nem humilhar o outro; falar com sinceridade, não com crueldade. Atacar o problema, não a pessoa.

Fazer afirmações do tipo “eu estou certo, você está errado” não produz bons resultados nos relacionamentos. Mesmo quando pensamos que o outro está completamente errado, afirmar isso não será produtivo, só aumentará resistências e defesas. O que importa é explicitar o que necessitamos, sentimos e queremos, além de reconhecer o que o outro necessita, sente e quer.

Nosso “Sim” é uma afirmação de valores: pessoais, comerciais (valor de um serviço ou de um produto), da missão de uma empresa, éticos e morais. Nosso “Não” significa colocar um limite, delimitar fronteiras ou linhas divisórias. Com esse foco, nosso “Não” fluirá naturalmente a partir do nosso poder.

Dizer “Não” é essencial para a vida. Nossas células possuem membranas que escolhem as substâncias que poderão entrar e repelem as demais. Os organismos vivos dependem desse recurso para se protegerem. Precisamos aprender com nossas células: dizer “Não” para tudo que ameaça nossa segurança, dignidade e integridade. Nosso “Não”, em vez de ser um muro, é uma barreira viva e forte que protege o que é realmente importante.

Há diversos modos de dizer “Não” a uma solicitação. Desde um simples “Não, obrigado”, até afirmações do tipo “tenho como norma” (por exemplo, não emprestar dinheiro aos amigos), “adoraria ir, mas já assumi outro compromisso”, “agora, não: vamos deixar para outra ocasião” e “pare com isso” (por exemplo, com tentativas de assédio, dito com firmeza e polidez), “isso não funciona comigo”, “Basta!”. O “Não Positivo” é um escudo que nos protege sem ferir o outro.

Dizer “Não” é um exercício de persuasão, e não apenas uma comunicação. Queremos que o outro aceite nosso “Não” e mude seu comportamento. E, muitas vezes, queremos dar continuidade ao relacionamento. Então, o que poderemos fazer para facilitar o caminho para que o outro faça o que queremos?

Relembrando: o primeiro “Sim” é para nossos interesses; colocamos o “Não”; o segundo “Sim” é um convite para construir em conjunto um resultado positivo. Isso significa fechar uma porta com o “Não” e abrir outra porta com o segundo “Sim”. Essa proposta positiva é uma solução prática, específica, realista e construtiva. O foco é como satisfazer o interesse de ambos, e não apenas o nosso. Não é: “ou ele ou eu”, ” um ganha, o outro perde” . É: “ele e eu podemos ganhar” criando soluções que podem ser satisfatórias para todos. Com isso, saímos da postura do que não pode ser feito para descobrir o que pode ser feito.

É desejável até se dispor a ajudar a outro a satisfazer os próprios desejos sem que seja preciso renunciar aos nossos: “De que modo minha proposta não atende seus interesses”? É importante ser específico, dizer exatamente o que esperamos ver no comportamento do outro. Em vez de dizer o que gostaríamos que o outro sentisse ou percebesse, ou falar generalidades do tipo “gostaria que você fosse mais prestativo”, dizer, por exemplo, “já que sou eu quem faço a comida, gostaria que você lavasse a louça”. Também é importante pedirmos ao outro para começar a fazer o que gostaríamos, em vez de pedirmos para parar de fazer o que nos desagrada (por exemplo, “por favor, fale mais baixo” em vez de “pare de gritar!”).

Há situações em que o outro reage energicamente ao nosso “Não”: finge que não ouviu, faz ameaças (“Seus competidores aceitam nossas condições…”), chantagem (“Pense em tudo que eu faço por você: como tem coragem de me negar só esse pedido”?), explode. São essas reações possíveis que nos fazem temer dizer “Não”.

Vencendo os obstáculos desse medo, descobrimos que “Sim” e “Não” podem se casar! “Sim” sem “Não” é submissão; “Não” sem “Sim” é guerra. Precisamos integrar “Sim” e “Não”. O “Sim” conecta, o “Não” protege. O “Não Positivo” tenta chegar a essa integração: proteger nossas necessidades sem destruir acordos construídos, valorizando os relacionamentos importantes.

Imagem de capa: Shutterstock/Olena Yakobchuk

Maria Tereza Maldonado

É Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-RIO, onde lecionou no Departamento de Psicologia. É membro da ABRATEF (Associação Brasileira de Terapia Familiar). Tem mais de 40 livros publicados sobre relações familiares, desenvolvimento pessoal e construção da paz, com mais de um milhão de exemplares vendidos.

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