COMPORTAMENTO

O privilégio de não saber o que fazer da vida

Por Marcela Picanço

Eu sei que não saber o que fazer da vida pode ser muito angustiante. Somos impactados por tantas histórias de pessoas que juntaram profissão com o propósito de vida e foram viver felizes para sempre que parece obrigação encontrar a nossa vocação e arriscar tudo por pela.

A questão é que eu vejo muita gente sem ideia do que fazer da vida, mesmo já sabendo o que faz seus olhos brilharem. E vejo outras que gostam de tantas, mas tantas coisas ao mesmo tempo que não querem se dedicar a uma coisa só. São pessoas do mundo, que preferem arrecadar experiências e histórias pra contar, preferem se dedicar a projetos pessoais, aprender, descobrir, viajar, amar. Inclusive, essas são as pessoas mais interessantes que eu conheço, porque elas olham pro mundo com vontade de absorver tudo que ele tem para nos oferecer.

E eu sinto que existe uma pressão tão grande para encontrarmos logo o que queremos fazer pro resto da vida que parece errado fazer as coisas só pelo prazer de fazer, de tentar, de curtir. Que medo é esse de perder tempo se estamos ganhando tanto por outro lado? Afinal, que obsessão é essa pela sucesso? Por que sentimos obrigação de ser o melhor em tudo que fazemos? Para mim, para obter sucesso em alguma coisa é preciso apenas concluí-la com prazer, nada mais.

Temos que ter em mente onde queremos estar daqui a 5 anos, mas nunca tivemos tanta oportunidade de fazer o que queremos. É um paradoxo. E fica difícil mesmo escolher um caminho só, traçar metas e alcançá-lo, porque escolher uma coisa, significa abdicar de todas as coisas. E se você tiver certeza do que quer, beleza. Vai fundo, porque vai valer a pena abrir mão de todas as outras coisas. Mas se você não tem tanta certeza assim, qual é o problema de aproveitar a vida com toda a intensidade, tentando viver tudo ao mesmo tempo, sem um objetivo?

Existem tantas formas de ser feliz e encontrar o propósito em coisas que a gente nem imagina. Às vezes o seu propósito é viajar mesmo, conhecer lugares e pessoas novas. Não é o que você mais gosta de fazer? Às vezes é tocar violão na sala, apresentar uma peça num pocket show. Às vezes não tem nada a ver com arte. Sua parada pode ser resolver problemas, ajudar pessoas a se desenvolverem, estudar, ensinar, conectar, empreender. E, vem cá, será que você precisa mesmo transformar essa paixão em profissão? Enquanto não tem dinheiro envolvido, ninguém pode te dizer como fazer.

E tudo bem também se sua vocação e propósito mudam de tempos em tempos, afinal, como disse o Guimarães Rosa no livro Grande Sertão: Veredas – “O importante e bonito do mundo é isso: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam.”

Pensando nisso, cheguei a conclusão de que quem não sabe o que fazer da vida tem o privilégio de não precisar viver com um objetivo e não há nenhuma inércia nisso, mas sim muito movimento. Você pode se dedicar a fazer uma coisa nova todos os dias. Pode encontrar talentos e vontades escondidos, pode descobrir o propósito na própria descoberta, sem medo do fracasso e sem o peso de obter êxito. E é assim que você vai descobrir que as coisas que fazemos sem expectativas, imersos no processo, são as mais verdadeiras. São as que realmente valem a pena.

Imagem de capa: Shutterstock/Aleksandr Markin

TEXTO ORIGINAL DE OBVIOUS

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