Alguns evolucionistas propagam a idéia de que a busca pelo maior número de parceiras sexuais seria inerente à biologia masculina; afinal quanto mais parceiras maiores as chances de transmitir os próprios genes. Isso parece aceitável quando pensamos num homem dominado pelos instintos básicos de sobrevivência, um homem atrelado aos impulsos biológicos cujo único propósito é perpetuar a própria carga genética. Em especial, essa idéia parece fazer todo sentido quando pensamos num mundo onde a luta contra a fragilidade da nossa espécie frente ao risco, ao adoecimento e à morte dependia essencialmente da capacidade de gerar o maior número de descendentes saudáveis no menor espaço de tempo possível. Nesse mundo, o homem com mais mulheres poderia ser um trunfo para a perpetuação da espécie, será?
Pode ser que sim, mas não necessariamente! Acontece que ao contrário do que se costuma pensar em relação ao papel da promiscuidade masculina na evolução humana, se ela teve sua importância, esta não estaria necessariamente associada à ausência de vínculos estáveis entre um homem e suas parceiras. O biólogo holandês Frans de Waal oferece uma perspectiva interessante sobre qual seria o comportamento sexual masculino que teria contribuido efetivamente para a perpetuação da espécie. Waal defende a idéia de que a família nuclear foi parte essencial na diferenciação entre os humanos e os outros primatas. Tal idéia encontra sustentação na forma como o nosso ciclo reprodutivo evoluiu.
Ao contrário de outras fêmeas primatas, as mulheres não possuem cio ou período fértil visível, estando sempre prontas para o contato sexual, inclusive no período de gravidez. Os machos da nossa espécie, então, precisariam passar o maior tempo possível ao lado de uma fêmea para garantir que a fertilizariam, uma vez que não havia nenhum sinal externo que garantisse a fertilidade da parceira. Logo, os homens mais companheiros e presentes tinham mais chances de gerar descendentes do que os aventureiros sexuais, que davam as caras vez ou outra. Podemos pensar, portanto, que se a promiscuidade masculina ofereceu alguma vantagem evolutiva, ela teria de vir acompanhada de uma certa disponibilidade do homem para se dedicar às suas parceiras. Assim, talvez, um homem promíscuo dedicado teria mais chances de manter vínculos estáveis com mais mulheres, e a incidência de registros de comportamentos poligâmicos – um homem vivendo maritalmente com várias mulheres – nos grupos humanos parece indicar isso.
A mulher promíscua, ao contrário, poderia colocar em risco as chances de perpetuação da espécie, pois, ao se acasalar com muitos homens tornaria mais improvável a possibilidade de que um macho assumisse com ela os cuidados da prole. Isso não porque o homem primitivo exigisse exclusividade sexual de sua parceira mas porque a mulher promíscua, à semelhança do homem, tenderia a não se ligar a um único parceiro. Num mundo inóspito com desafios físicos constantes, onde a obtenção de alimento, água, abrigo e proteção demandavam deslocamentos incessantes, um mulher sozinha, grávida ou amamentando, teria poucas chances de cuidar de si mesma e da sua cria. O bebê humano é muito mais frágil do que o de outros primatas, necessitando de cuidados contínuos e intensivos por vários anos até que tenha condições mínimas de “se virar” sozinho. A capacidade de um homem garantir a sobrevivência da cria, e de sua mãe, seria em tempos primitivos uma demonstração de superioridade adaptativa.
A formação de grupos humanos constituídos por homens e mulheres dispostos a se ajudarem para cuidar dos filhotes, portanto, parece ser um arranjo para garantir a sobrevivência da espécie. Ah! Sim, alguns alegarão que isso poderia ser feito por grupos humanos formados apenas por mulheres. Há, inclusive, quem advogue a hipótese da existência de sociedades exclusivamente femininas, como seria o caso das tribos de Amazonas; mas como ainda não existem evidências arqueológicas e históricas consistentes sobre isso, tudo não passa de fantasia, boa, por sinal, para argumento de estórias de “Conan, o Bárbaro“. Há, também, quem defenda que os filhotes poderiam ser cuidados por adultos que não fossem seus pais biológicos, em arranjos coletivos. Esse argumento parece razoável. Achados arqueológicos muito antigos, contudo, apontam para o fato de quê a consaguinidade sempre foi importante na formação de vínculos, mesmo em grupos humanos muito antiguos.
Em 2008, um grupo de arqueólogos alemães, ligados à Universidade de Mainz, publicou os resultados de um estudo no qual confirmou-se a antiguidade da família nuclear entre humanos. O estudo foi feito com base num conjunto de quatro túmulos coletivos que datam de 4.600 anos atrás, encontrados próximo ao Rio Saale, no interior da Alemanha. Os túmulos abrigavam treze ossadas, cujas fraturas sugeriam que os indivíduos haviam sido vítimas de um massacre. Através de análises de DNA, provou-se que, num dos túmulos, pai, mãe e filhos – dois meninos com cerca de 5 e 9 anos – haviam sido enterrados juntos. O achado constitui a mais antiga evidência arqueológica de família nuclear já encontrada e identificada por meio da genética.
As evidências que comprovam a antiguidade da família nuclear são fundamentais para entendermos o processo de desenvolvimento das relações afetivas humanas, da nossa sexualidade e do nosso cérebro! Aparentemente, a emergência da família nuclear pode ter representado a viabilização do que entendemos por sociedade. O antropólogo Claude Lévi-Strauss, por exemplo, defende a idéia de que a família é necessária para a reprodução social de um grupo humano, pois garante a sobrevivência e a continuidade biológica e cultural do próprio grupo. Ao afirmar isso, Lévi-Strauss não se refere à família nuclear apenas, composta por homem, mulher e filho, mas a qualquer agrupamento humano unido por laços consagüineos. Nesse sentido, podemos pensar que o surgimento da familia nuclear – da organização erótico-afetiva centrada num casal comprometido social, física e emocionalmente – mais do que qualquer outra estrutura familiar, estaria diretamente associada ao desenvolvimento das camadas mais recentes do nosso cérebro. A aquisição de habilidades cognitivas mais sofisticadas como a linguagem é parte fundamental do processo de expansão do córtex cerebral, também o é a capacidade de simbolização, de imaginação, de planejamento e de julgamento.
É difícil pensar na formação daquilo que entendemos por humanidade sem levar em consideração o aumento de volume do nosso córtex. Muito provavelmente, na medida em que o humano em nós se diferenciava dos outros animais por meio da formulação de símbolos, imagens mentais, conceitos abstratos, etc., buscávamos uma maneira de preservar o inestimável patrimônio subjetivo que criávamos, assim como tentávamos perenizar nossa passagem pela terra por meio dos artefatos que inventávamos incenssados pelo advento da inteligência racional. Quanto mais pensávamos mais criávamos, quanto mais criávamos mais pensávamos! Este é o ciclo nutritivo que gerou, ao mesmo tempo, o cérebro e a cultura que caracteriza os seres humanos. Nesse contexto, seria lícito pensar que a família nuclear teria se desenvolvido como o espaço no qual o anseio humano por eternizar-se encontraria resguardo. Fosse pela transmissão segura dos genes ou da bagagem cultural, na família nuclear a humanidade poderia ter fomentado a vida social e tudo o mais que dela iria advir.
Até meados do século XX, prevalecia entre os antropólogos a idéia de que a família nuclear era uma instituição apenas cultural. Evidências históricas e arqueológicas, porém, têm fornecido um visão muito mais ampla da família nuclear, colocando-a como parcela indissociável da experiência humana primordial. O mais interessante dessa nova perspectiva científica da família nuclear é que ela coloca em cheque a premissa de uma vantagem evolutiva para os homens promíscuos. Afinal, se a organização erótico-afetiva baseada num casal estável está tão associada à sustentação do desenvolvimento da humanidade como grupo simbólico, racional e inventivo, a inteligência residiria na busca da exclusividade sexual, certo?
Sim, é provável! Ou seja, a evolução ótima da espécie tenderia a nos levar a escolha de condições que garantissem a formação de vinculos mais profundos e estáveis, de forma que pudéssemos gerenciar de perto a forma como o nosso legado individual e coletivo seria transmitido. Assim, podemos especular que quanto mais sofisticada se torna a experiência humana – com maior volume de informações, eventos, abstrações, etc. – mais os homens inteligentes voltariam-se na direção oposta à aventura sexual recorrente, tendendo a serem mais seletivos sexualmente e mais dedicados a uma única parceira, ou mesmo a um grupo fixo de parceiras. Afinal, fidelidade não é sinônimo de monogamia. O foco seria, então, não apenas a transmissão do legado mas a qualidade do que seria transmitido. Parece fazer sentido, e esta notícia aqui torna esse raciocínio ainda mais instigante.