O termo Complexo de Édipo é conhecido por muitas pessoas e, inclusive, está amalgamado no senso comum. Contudo, conhece-se muito pouco o conceito sobre o qual ele diz respeito, pois o que se sabe geralmente é aquela ideia básica do “amor pelo genitor do sexo oposto e ódio pelo genitor do mesmo sexo”. Uma leitura mais específica mostra que Freud tinha uma noção muito mais ampliada, apontando para uma noção estrutural (sistema de articulações/estrutura de relações) da criança com seus genitores (pai/mãe/cuidadores).
Não sabemos se alguém já parou para pensar no por que da escolha da história Édipo Rei, de Sófocles, mas há algumas coisas bem interessantes nessa escolha:
1) Édipo sabe de seu destino (“matarás teu pai e desposarás tua mãe”) mas desconhece as condições que o produziram e o que aconteceu antes disso na vivência de seus pais. Dessa forma, as condições estruturais e sociais sobre as quais ele nasceu lhe eram desconhecidas. O termo inconsciente nos serve bem a essa explicação.
2) Apesar da sabedoria que tem, que o permite resolver o enigma da Esfinge (“O que é que tem quatro pés de manhã, dois ao meio dia e três à tarde?”), Édipo não consegue resolver seus próprios problemas e fica preso ao seu destino, ou seja, o saber que se tem para resolver diversos conflitos pode ser insuficiente para resolver os próprios conflitos.
3) No momento em que Édipo descobre os atos que cometeu e suas consequências, ele se cega e passa a responsabilizar-se por eles, tornando-se sábio. Sua sabedoria torna-se desatrelada da visão e do julgamento moral das coisas, passando a conduzi-lo a partir de uma reflexão profunda consigo próprio.
4) Há uma relação triangular no enredo: Pai – Édipo (filho/criança) – Mãe. Essa relação não é autocentrada, pois envolve as histórias dos pais, os destinos e as escolhas dos envolvidos.
5) Há dois atos e dois sentimentos em questão: o assassinato de um genitor (morte/ódio) e o desposamento do outro (vida/amor). Isso coloca um binarismo de atos e sentimentos, no sentido da construção e da desconstrução. Freud utilizou a história de Édipo para falar da constituição da identidade humana, que ele entende como identidade sexual, que não é uma identidade em si, mas uma identificação.
Temos aí o desconhecimento, a dificuldade em saber de si mesmo, o olhar para dentro de si, a triangulação familiar (mãe, pai, criança), os sentimentos mais fundamentais (amor-ligação-aproximação; ódio-morte-afastamento). Há um trecho de sua obra “O Ego e o Id” (O Eu e o Isso)¹, de 1923, no qual Freud apresenta e discute o conceito de Complexo de Édipo da forma mais ampliada possível:
“Todo esse assunto [da identificação sexual] é, contudo, tão complicado que será necessário abordá-lo pormenorizadamente. A dificuldade do problema se deve a dois fatores: o caráter triangular da situação edipiana e a bissexualidade constitucional de cada indivíduo. […].” (p. 44)
“Pareceria, portanto, que em ambos os sexos a força relativa das disposições sexuais masculina e feminina é o que determina se o desfecho da situação edipiana será uma identificação com o pai ou com a mãe. Esta é uma das maneiras pelas quais a bissexualidade é responsável pelas vicissitudes subsequentes do complexo de Édipo.
A outra é ainda mais importante, pois fica-se com a impressão de que de modo algum o complexo de Édipo simples é a sua forma mais comum, mas representa antes uma simplificação ou esquematização que é, sem dúvida, frequentemente justificada para fins práticos. Um estudo mais aprofundado geralmente revela o complexo de Édipo mais completo, o qual é dúplice, positivo e negativo [no sentido de um lado e outro, opostos, inversos; não de certo e errado], e devido à bissexualidade originalmente presente na criança.
Isto equivale a dizer que um menino não tem simplesmente uma atitude ambivalente para com o pai e uma escolha objetal afetuosa pela mãe, mas que, ao mesmo tempo, também se comporta como uma menina e apresenta uma atitude afetuosa feminina para com o pai e um ciúme e uma hostilidade correspondentes em relação à mãe. […].” (p. 45-46)
“Em minha opinião, é aconselhável, em geral, e muito especialmente no que concerne aos neuróticos, presumir a existência do complexo de Édipo completo. A experiência analítica demonstra então que, num certo número de casos, um ou outros dos constituintes desaparece, exceto por traços mal distinguíveis; o resultado, então, é uma série com o complexo de Édipo positivo normal numa extremidade e o negativo invertido na outra, enquanto que os seus membros intermediários exibem a forma completa, com um ou outro dos seus dois componentes preponderando.
Na dissolução do complexo de Édipo, as quatro tendências em que ele consiste agrupar-se-ão de maneira a produzir uma identificação paterna e uma identificação materna. A identificação paterna preservará a relação de objeto com a mãe, que pertencia ao complexo positivo, e, ao mesmo tempo, substituirá a relação de objeto com o pai, que pertencia ao complexo invertido; o mesmo será verdade, mutatis mutandis, quanto à identificação materna.
A intensidade relativa das duas identificações em qualquer indivíduo refletirá a preponderância nele de uma ou outra das duas disposições sexuais.” (p. 46)
“‘O amplo resultado geral da fase sexual dominada pelo complexo de Édipo pode, portanto, ser tomada como sendo a formação de um precipitado no ego, consistente dessas duas identificações unidas uma com a outra de alguma maneira’.” (p. 46)
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¹ Sigmund Freud, O ego e o id, 1923 (Ed. Imago, Obras Completas, vol. XIX, 1996, p.44-46).
CAPA DAS TIRINHAS FILHO DE FREUD DE YORHÁN ARAÚJO
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