Muitos anos atrás, participando de uma mesa redonda sobre educação, escutei Rubem Alves afirmando categoricamente: “Há uma única condição para alguém ser um bom professor; que ele ame. Quem ama sabe ensinar.” Nunca mais esqueci do que ouvi e sempre que posso retorno ao tema. Claro que sei que muitas objeções, vindas de todos os lados, podem ser feitas. Afinal, o que é o amor? A que tipo de amor o famoso pedagogo e psicanalista estava se referindo? Como alguém com uma função aparentemente tão específica, como a do professor, hoje, pode amar?
Na tradição filosófica ocidental, temos a afirmação aristotélica, depois repensada por muitos, de que amar é desejar o bem do outro. Certamente, quem educa deve estar preocupado em formar o aluno para o bem-estar social, a convivência, a ética, os valores, o exercício pleno da cidadania e a felicidade. Se fizer isso, estará cumprindo seu papel. Mas todos nós sabemos que, dentro das conjunturas atuais – a desestruturação do modelo familiar patriarcal; novos modelos de família; novos paradigmas; novas ideologias; o consumismo; o hedonismo; o individualismo exacerbados –, não é fácil amar; não é fácil educar.
Vivemos num sistema educacional em que pesa mais a quantidade do que a qualidade. Há um excesso de conteúdo nos programas escolares que será cobrado no Enem, nos vestibulares, nos concursos. Há pouco tempo para reflexões maiores em sala de aula. Há uma perda enorme da participação dos pais na educação dos filhos, que os impede de cobrar o que deveriam cobrar. Pesa a responsabilidade da escola e do professor que tem de fazer as vezes de pai, de mãe, de psicólogo, de assistente social e por aí vai. Muitas avaliações a serem feitas. Projetos. Eventos. Demandas. E – dentro disso tudo – o professor deve educar; deve amar. Deve ser emocionalmente equilibrado.
Isso pede também uma contínua autoavaliação. Avaliar a sua forma de agir dentro e fora da sala de aula, nos demais espaços escolares. O professor é visto como modelo, seja consciente ouinconscientemente. O aluno o admira ou o odeia. Vai imitá-lo ou caricaturá-lo. Vai prestar atenção no seu discurso. No seu estado de espírito. No humor, na agressividade ou na gentileza que traz para suas aulas. Tentará perceber se o professor é coerente; se discrimina alunos, pessoas ou grupos. Se demonstra ser o dono da verdade ou se dialoga, aponta caminhos, ensina o aluno a pensar, a refletir, a criar sua própria síntese.
O professor que quiser cumprir o seu papel apenas burocraticamente seguindo as regras e ganhando seu sustento está fadado ao fracasso. Em nosso país, a educação não é valorizada; o professor não ganha bem. O melhor retorno é o afetivo para quem sabe construir (e, assim, ensinar a fazer) boas relações. O aluno aprende mais; dedica-se mais ao professor que ele ama; ao professor que ele percebe que o ama. O professor que entende suas demandas de criança, adolescente ou jovem. Que sabe dizer sim e sabe dizer não. Impõe limites claros e não leva nada para o lado pessoal; não se vinga; não o constrange.
Mas o professor ainda tem a obrigação de conhecer profundamente a sua matéria e saber ensiná-la. Metodologias próprias. Didática. Criar estímulos. Levar o aluno pela fascinante aventura do simbólico e do imaginário; do conhecimento e da cultura. Saber avaliar, saber cobrar, saber tirar dúvidas. Ter uma paciência enorme com os mais fracos. Mudar sempre que percebe que não está atingindo o aluno; que muitos são reprovados; que muitos não aprendem, não se interessam. Não ficar satisfeito com o resultado negativo e muito menos achar que isso o faz ser um bom professor. Os resultados dos seus alunos são o seu próprio resultado, da mesma forma que filhos são espelhos da educação (ou ausência de educação) dos pais.
O professor não deveria poder reprovar. Reprovar é uma forma de discriminar. É dizer: esse aqui presta pra coisa; aquele ali não. Por isso a avaliação deveria ser processual de fato e não apenas no bla-bla-blá pedagógico. Instrumentos de avaliação deveriam extrapolar os medíocres limites de testes e provas. Infelizmente, ainda se mede conhecimento com números. De novo, quantidade. Aspectos qualitativos, emocionais, múltiplas inteligências deveriam ser contemplados na avaliação desde o início e não apenas em conselhos de classe. O professor precisa ser um facilitador do que em Psicanálise chamamos de simbolização. Introduzir cada vez mais profundamente o aluno no simbólico. Ensiná-lo a ser e a expressar-se. Sustentar o desejo de ser feliz de verdade. Na verdade, só se consegue ser um bom professor, um professor equilibrado emocionalmente, aquele sujeito que conheceu a si mesmo na incrível experiência de uma Análise ou Psicoterapia que o fez atingir sua própria verdade e seu próprio desejo. Inclusive, o desejo de exercer a função de professor, numa sociedade que não o valoriza.
Tudo isso só tenta quem quer amar. Quem se arrisca. Amar é um risco. Porque sempre é como pular no escuro.